Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Jaqueline Stramantino
Mestranda em Bioética
Os últimos anos revelaram que a abundância de água no
Brasil pode ser considerada um mito, uma vez que toda essa abundância não
garante a segurança hídrica. A crise hídrica que o
país enfrentou foi resultado dos desequilíbrios que vão muito além da falta de
chuva e estão envolvidos com a vulnerabilidade ambiental.
A vulnerabilidade ambiental pode ser percebida com o aquecimento global, que aumentou a temperatura do planeta, uma vez que, a influência antrópica sobre o aquecimento global ocorre em ritmo sem precedentes nos últimos 2000 anos. Além do aquecimento, o desmatamento da Floresta Amazônica também contribuiu para a crise, pois os rios voadores, que levam a chuva através do vento ficam totalmente prejudicado com a perda da capacidade da umidade atmosférica pela falta de árvores. Outros fenômenos como o El ninho também interferem no aumento da temperatura da água e consequentemente no aumento da temperatura.
As
vulnerabilidades ambientais percebidas poderiam ser mitigadas caso houvesse um
plano de ação pela gestão das águas, em prol do meio ambiente, com estratégias
direcionadas a uma cidade sustentável paralelamente com uma jurisprudência que
zela a água, como o caso
da Colômbia, que à água se encontra como um bem jurídico que deve ser
protegido. Um dos fatores para ocorrer a escassez de água foi gerado pela
inconsistência da gestão para antecipação de fatores de risco que ocasionariam
uma possível falta de água somada ao crescimento da demanda e a baixa
capacidade dos reservatórios. Esse problema aconteceu nos últimos anos
(2020-2021), no Estado do Paraná, na cidade de Curitiba.
A maior
crise hídrica da história do Paraná ocasionou pânico em
sua população, que se viu em cenários desoladores com falta de água para
higiene e alimentação. Especialmente em indivíduos nas regiões mais
periféricas, que não possuíam reservatórios ou caixas-d’água para o seu
armazenamento próprio. Outro fator foi a falta de igualdade e equidade na
redistribuição de água durante o racionamento de água que resultou em aumento
do racionamento de água em alguns bairros periféricos, enquanto bairros
centrais não sofreram com a restrição de água. Quando as pessoas ficam sem o
básico para suas necessidades como sem água para lavar e cozer os alimentos
consegue-se enxergar um cenário de falhas éticas na dignidade humano, em que, o
Estado faltou com seus deveres éticos de garantir o acesso à água potável para
a população com qualidade e quantidade suficiente para todos.
A falta de acesso à água aumenta a pobreza, 35 milhões de brasileiros são privados do acesso à água potável. Na prática, isso significa um crescimento gigantesco das vulnerabilidades ocasionando aumento de doenças de veiculação hídrica, pobreza menstrual em meninas e mulheres, abalos na segurança alimentar e nutricional, perda da autonomia, abandono escolar em crianças e adolescentes e dificuldade de ingressar no mercado de trabalho em adultos. Por isso, pautas hídricas como a universalização do acesso à água potável são tão importantes na sociedade, através de um abastecimento equitativo para 100% dos indivíduos, a população terá direito à água com quantidade e quantidade adequada, capaz de mitigar a vulnerabilidade hídrica e social que está envolvida quando falta água.
A crise hídrica se revela a próxima pandemia, essa afirmação tem intrínseca relação com as utilidades da água, que na sociedade capitalista ficou refém de uma privatização e mercantilização sobrepondo- se como um bem comum adquirindo características de commodity passando a ser um recurso natural que pode ser explorado. Sob uma ótica mercadológica a administração da água foi centralizada para aqueles que tinham capital monetário e esses dominaram esse bem explorando e subsidiando cada vez mais políticas de desigualdade, como o farto desperdício de água pelo agronegócio. No qual, as questões da água sofreram injustiças ambientais e sociais atingindo as populações vulneráveis que para conseguir o aporte de água potável precisa dispor de renda compatível com o preço da água. Assim, quem sofre de vulnerabilidade socioeconômica fica desprotegido sem água despeitando totalmente o preconizado pelos direitos humanos de que à água é um bem comum. Nesse aspecto, a saída encontrada pela parcela dos indivíduos prejudicados pela mercantilização da água é se conglomerar ao redor de rios ou fontes de água naturais, como os mananciais trazendo inúmeros malefícios para o meio ambiente como poluição dos rios e contaminação das águas.
A
bioética, nesse cenário pode apontar que existam soluções que sejam justas e
equitativas para todos os atores envolvidos diminuindo as vulnerabilidades
provocadas por essa crise. Principalmente articulando o direito humano à água
potável e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis (ODS). Para que haja
diminuição da insegurança alimentar instalada quando acontece a falta de água. Bem
como redução da taxa de internação e mortalidade infantil, em menores de 5
anos, causadas por doenças gastrointestinais. E contribuindo para acesso
potável e distribuição de saneamento para todos. Aumentando a oportunidade de
inserção no mercado de trabalho. Fortalecendo as cidades por meio de fomento
para o comprimento de políticas públicas por meio de uma gestão eficaz contra
as mudanças climáticas.
O processo da inserção da bioética ambiental não pode ser indiferente, o bioeticista será o protagonista nas discussões acerca da garantia de água potável pelo Estado estabelecendo um papel de “ponte” para que as vulnerabilidades sejam diminuídas e a tomada de decisão seja equitativa beneficiando tanto a população quanto o Estado mitigando os conflitos de interesses relativos a água que acontecem de forma desigual, para atenuar as vulnerabilidades hídricas que ainda persistem.
A bioética como ferramenta para dialogar e ouvir a população dentro da agenda política das cidades poderá subsidiar informações que agreguem todos os agentes envolvidos nas questões hídricas, com soluções justas perante os recursos hídricos, não somente para os seres humanos, mas para todo o ecossistema que se encontra extremamente sensibilizado pela exploração e domínio das águas. Assim percebe-se que crise hídrica vai muito além da falta de chuvas, ela envolve fatores multidimensionais, que para serem resolvidos o Estado deverá contar com a participação social, em que, espaços deliberativos proporcionem atenuação das vulnerabilidades tanto para os cidadãos quanto para o meio ambiente.
O presente ensaio é fruto da finalização da conclusão da dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Bioética da PUCPR, se baseando nas seguintes obras:
ÁGUA. Instituto Trata
Brasil, 2019. Disponível em: https://www.tratabrasil.org.br/pt/saneamento/principais-estatisticas/no-brasil/agua.
Acesso em: 23 ago. 2022.
BARREIRO, R.; DEL
PILAR, M. O direito humano à água e sua
positivação: casos Brasil e Colômbia. 2017. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/151260?show=full. Acesso em: 23 ago. 2022.
Escassez de água será a
próxima pandemia diz ONU. Consórcio PCJ,
2021. Disponível em: https://agua.org.br/blog/escassez-de-agua-sera-a-proxima-pandemia-diz-onu/. Acesso em: 22 ago. 2022.
Indicadores Brasileiros
para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. ODS, 2022. Disponível em: https://odsbrasil.gov.br/. Acesso em: 23
ago. 2022.
LOPES, J.M. Maior
crise hídrica da história do Paraná lança desafios em múltiplas frentes. Folha de Londrina, 2021. Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/reportagem/maior-crise-hidrica-da-historia-do-parana-lanca-desafios-em-multiplas-frentes-3100476e.html. Acesso em: 22 ago. 2022.
Mudanças Climáticas
2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade. IPCC, 2022. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/.
Acesso em: 23 ago. 2022.
PIMENTEL, C. A água no
Brasil: da abundância à escassez. Agência
Brasil, 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-10/agua-no-brasil-da-abundancia-escassez.
Acesso em: 22 ago. 2022.
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