Relação entre tutores e animais em contexto pandêmico: amor, cuidado e responsabilidade





Série Ensaios: Bioética Ambiental 

Por João Moreira Júnior 

Teólogo, Pós Graduando em Cuidados Paliativos e Mestrando em Bioética 

Ao se tratar das relações entre tutores e animais domésticos é importante salientar sobre a importância do bem-estar animal. Destaca-se neste estudo o caso emblemático da atriz Cláudia Ohana, que devolveu dois cachorros que havia adotado, Thor e Tigrão. “A ong Toca do Bicho divulgou os áudios em que a atriz diz que "não está conseguindo" lidar com os animais, já que um deles rosna para ela. Ohana diz ainda que não saiu para passear com os cachorros por "medo de limpar" as fezes dos cães”, frases salientando o desconhecimento com o cuidado animal. A atriz afirmou ainda, que os cachorros estavam destruindo seus móveis, objetos decorativos e mantê-los tornou-se uma tarefa complicada, principalmente pela pandemia, já que se encontra sozinha, pontua.

 

O caso repercutiu, após postagem de uma nota realizada pela ONG – em rede social, em primeira pessoa, onde os cachorros relatariam a tristeza de serem devolvidos: "Sou o Thor. Irmão do Tigrão. Também fui devolvido. Dormíamos na cama da mamãe. De repente, não nos quis mais! Não me sai da cabeça porque mamãe nos devolveu. Ela dizia que não obedecíamos, que destruímos coisas, mas não teve paciência com a gente. As tias da Toca orientaram em tudo, ofereceram adestrador, mas mamãe fez tudo errado. E pior, no final, nos devolveu! Sequer ligou para saber como estávamos desde que saímos da casa dela. Acreditam? E aquelas fotos que tirava e postava? Seriam encenação? Nos adotou bebês e agora que crescemos, quem vai nos adotar juntos? Vamos sofrer de novo a dor da separação. Adotar é um ato responsável. Temos sentimentos. Portanto, não façam como nossa antiga tutora. Pensem bem antes de adotar. Ainda bem que existe o @projetotocadobicho", diz o post da ONG, salientando o pesar de um ser senciente.
Em publicação recente do Portal Agência Brasil intitulada ‘Adoção e abandono de animais domésticos aumentam durante a pandemia: adoção de um pet requer alguns cuidados’, realizada pelo repórter Pedro Peduzzi, retrata um cenário que desperta um importante alerta sobre o modo como os tutores têm se relacionado com seus animais e como esse seguimento tem se comportado para aumentar seus lucros, através de ideais que fogem da realidade da responsabilidade do cuidado para com os animais.
Mediante o exposto, é importante destacar que a sociedade dos anos 2020 têm experimentado um ano atípico com a pandemia do COVID-19, despertando o ser humano para um novo modo de vida, seja, acadêmico, no mercado de trabalho, nas relações interpessoais, inclusive, as relações com os animais de estimação. Diante desse cenário, onde o convívio tem sucedido remotamente, as relações dentro do lar têm se intensificado, seja aos membros humanos da família e com os animais de estimação aos quais alguns tutores não sabem como proceder. 

Por outro lado, o nicho dos pet-commerce tem intensificado suas propagandas, divulgando filhotes de animais e os mais diversos acessórios. Em virtude dessa circunstância, é apresentado aos interlocutores as alegrias de tutorear um animal, mostrando como eles são fofos, que suprem a carência daqueles que vivem sozinhos, assim, vendendo um ideal, um relacionamento homem-animal sem intercorrências próprias do cuidado.
Pelo contrário, em contraste com a adoção de animais em espaços públicos, redes sociais, entre outros locais onde são colocados em exposição, cabe uma reflexão sobre esse processo, pois ocorrem em alguns momentos de modo acelerado, assim, sem pensar nas consequências de uma tutoria animal, a responsabilidade empregada nesse ato. Assim, destaca-se que os animais têm direitos e os seus tutores deveres, porque são os responsáveis por garantir o bem estar do tutelado.
Em Cartilha de Proteção Animal, da Comissão de Direito Ambiental da OAB/PR, é retratado no tópico ‘Adoção e Criação Responsável’, que a responsabilidade vai além da alimentação e uma casa, é necessário que seja alimentação e local de abrigo adequados, cuidados veterinários, tratamento digno com higiene, acesso à medicação apropriada conforme prescrição médica, vacinação, vermifugação, esterilização, e, sem esquecer do respeito e amor.

Em virtude disso, destaca-se o caso da atriz Cláudia Ohana, que ao adotar os dois filhotes, interagiu com os internautas mostrando o convívio com os animais sendo ovacionada por aqueles que simpatizam com o fenômeno de popularização da chamada causa animal (OSTOS, 2017), contudo, a mesma ‘devolveu’ os animais depois de alguns meses, como apresenta a reportagem do Correio Braziliense, infelizmente nem todos os casos são veiculados, possibilitando o apoio voluntário para as ONG’s. Analogamente, pontua-se que há muitos animais em situação de abandono e com suas vidas em risco, também, há muitos animais em abrigos esperando ansiosamente por uma família que os adote com responsabilidade, salienta a Cartilha.
Com efeito, percebe-se que por vezes os animais são tidos como objetos, experiencias de prazer e bem-estar, uma espécie de vitrine, utilizando-se deles para realizar propagandas, para apresentar nas redes sociais e entre os amigos, atribuindo a eles valor monetário em decorrência do pedigree, com os certificados da linhagem parental, entre outros. Por conseguinte, condicionando o animal ao prazer pessoal ou como “objeto” admitindo sua manipulação e/ou seu ‘descarte’. Com efeito, destaca-se que os animais não são coisas, mas seres sencientes, ou seja, possuem a capacidade de sentir dor, sofrimento, amor, raiva ou qualquer outro sentimento semelhante aos dos humanos.
Além disso, salienta-se os maus tratos, não somente aos animais que possuem um tutor, mas aqueles que se encontram em situação de rua ou perdidos, como por exemplo, o caso de Belinha, em decorrência de um disparo de arma de fogo teve sua vida ceifada, em um vídeo compartilhado nas redes sociais, exibindo seu tutor de apenas 13 anos, em lágrimas com o animal sangrando em braços, como mostra a reportagem na página do Isto É.
Não apenas esse caso, como a cadela Manchinha morta em uma das redes de um hipermercado, onde fora espancada até a morte por um vigilante, como pode ser visto em matéria de O Globo. É importante destacar que ambos os casos ocorreram em estabelecimentos comerciais, contudo, maus tratos ocorrem em todos os lugares, nas residências, nas ruas, na zona rural, enfim, deve-se repudiar todo ato de crueldade, acionar imediatamente as autoridades competentes para que medidas sejam tomadas e assim salvaguardar o bem-estar e a vida do animal.
Indubitavelmente, vale destacar que maus-tratos ou abandono de animais é considerado CRIME e acarreta condenação à pena de detenção que varia de três meses a um ano e multa conforme o art. 32 da Lei 9.605 de 1998, a Lei de Crimes Ambientais. A lei se aplica a quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, aponta a cartilha.
Nesse sentido, é importante salientar que os animais abandonados representam também um grave problema de saúde pública, tendo em vista que são os principais reservatórios e transmissores de zoonoses como raiva e leishmaniose visceral, ao mesmo tempo em que são vítimas de atropelamento, abusos e crueldade (SOUZA, 2020), como nos casos supracitados.
Mediante o exposto, é importante salientar a importância do planejamento antes da tomada de decisão para cuidar de um animal, esse é um ato de amor, cuidado e responsabilidade. Vale salientar, no ano de 2011, foi lançada a One Health Initiative que reforça o conceito de uma só saúde, trata-se de uma estratégia mundial para a expansão de colaborações interdisciplinares e comunicações entre todos os aspectos dos cuidados em saúde para os seres humanos, animais e o ambiente, representando um avanço em saúde para o século XXI (apud DOMINGUES, 2015), elucidando a ampliação da noção de direitos fundamentais para todas as formas de vida. Conforme o vocabulário americano cachorro, por exemplo, chama-se DOG, e Deus GOD, ou seja, observamos que há uma reflexão que eleva a relação homem-animal, por sua vez, salientando a dignidade da vida animal.
Com o propósito de auxiliar pessoas que almejam ter um novo membro na família, evidencia-se que a chegada de um animal é abraçar uma vida, e por isso a família precisa estar preparada para recebê-lo. Um animal não é brinquedo, crianças menores precisam de orientação e acompanhamento para receber o novo membro da família, que estará assustado e sem referências, precisará de muita paciência, amor e respeito. A adaptação do novo membro da família precisa ser feita gradativa, com calma e paciência. É preciso tempo para o animal se sentir seguro com os humanos da nova família ou mesmo com outros animais. Assim, ao adotar, lembre-se que o animal será um membro da família, e não pode ser descartado.

Sendo assim, destaca-se a importância da Bioética e da Bioética Ambiental, salientando que o ser humano possui a liberdade para tutorear um animal, porém, há deveres e esses por sua vez exigem: atenção, ambiente adequado, cuidados médicos veterinários, dedicação, tempo, zelo entre tantos outros elementos que são essenciais para garantir o bem-estar animal. Para isso, cabe aos profissionais, voluntários de ONG’s informar, sensibilizar e conscientizar sobre a importância da responsabilidade para o trato com o animal, assim como, a implementação dessas orientações nas escolas desde o ensino fundamental (FISCHER, 2017), englobando a educação ambiental e biodiversidade.
Dessa maneira, ao retratar o caso da atriz Claudia Ohana, percebe-se a quebra do Princípio da Senciência, pois o valor da dignidade animal foi extinguido, e por sua vez, ao citar o local onde estavam de acordo com as fotos publicadas, observa-se um ambiente ecologicamente desiquilibrado. É interessante salientar que ao acolher os animais - estavam pequenos, ao passar do tempo por serem animais sem raça definida cresceram além do esperado e exigem do tutor atenção, tempo, espaço adequado, pois, eles brincam, correm e fazem bagunça, assim como necessitam de caminhadas gerando bem-estar ao animal. Ao adotar, é importante ter a consciência desta realidade, cuidar além de um ato de amor é também um ato de responsabilidade, os animais em questão foram afetados negativamente, gerando danos, os responsáveis pela ONG - salientando que os animais estavam deprimidos.
Eu como teólogo, paliativista e aspirante a bioeticista acredito que é dever do ser humano cuidar, cultivar e bem guardar toda a criação. É preciso trabalhar a conscientização sobre o cuidado não somente animal, mas de todos os seres viventes. Assim, adotar um animal é oferecer alimentação, abrigo, proteção de sua integridade física, cuidados médicos veterinários, tempo com atividades próprias ao pet, além das orientações daqueles que estarão na linha de frente conversando com os interessados na adoção. De tal modo que, possa despertar a conscientização de que os animais sentem a falta de condições adequadas e suficientes ao seu bem estar, por sua vez, causando sofrimento que deve ser prevenido e aliviado, buscando oferecer toda estrutura necessária para o cuidado integral.


O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental, tendo como base as obras:

AGÊNCIA BRASIL. Adoção e abandono de animais domésticos aumentam durante a pandemia: adoção de um pet requer alguns cuidados. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-10/adocao-e-abandono-de-animais-domesticos-aumentam-durante-pandemia>. Acesso em: 18 nov. 2020. 

CORREIO BRAZILIENSE. Cláudia Ohana devolve cães adotados e ong diz que animais estão deprimidos: a ong divulgou áudios da atriz e disse que os cachorros estão deprimidos após serem devolvidos. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2020/07/20/interna_diversao_arte,873698/claudia-ohana-devolve-caes-adotados-e-animais-estao-deprimidos.shtml>. Acesso em: 18 nov. 2020. 

EXTRA. Cadela morta em Carrefour apareceu no mercado semana antes e recebia atenção de lojistas. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/brasil/cadela-morta-em-carrefour-apareceu-no-mercado-semanas-antes-recebia-atencao-de-lojistas-23282874.html>. Acesso em: 18 nov. 2020. 

ISTO É. Cadela é morta a tiros na porta de mercado. Disponível em: <https://istoe.com.br/cadela-e-morta-a-tiros-na-porta-de-mercado/>. Acesso em: 20 nov. 2020. 

O GLOBO. Como indenização pela morte da cadela Manchinha, Carrefour terá que pagar multa de R$ 1 milhão: rede de supermercados vai depositar valor em fundo para causa animal a ser criado em Osasco, onde vira-lata foi espancada por segurança da empresa. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/como-indenizacao-pela-morte-da-cadela-manchinha-carrefour-tera-de-pagar-multa-de-1-milhao-23528839>. Acesso em: 19 nov. 2020. 
FISCHER, Marta Luciane; et al. Caminho do Diálogo: uma experiência bioética no ensino fundamental. Rev. Bioét. vol.25 no.1 Brasília Jan./Apr. 2017. 
DOMINGUES, Lídice Rodrigues; et al. Guarda responsável de animais de estimação na área urbana do município de Pelotas, RS, Brasil. Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.1 Rio de Janeiro Jan. 2015. 
OSTOS, Natasha Stefania Carvalho de. A luta em defesa dos animais no Brasil: uma perspectiva histórica. Cienc. Cult. vol.69 no.2 São Paulo Apr./Jun. 2017. 
SOUZA, Karollyna Lagares de; et al. Abandono e maus tratos contra animais: aspectos sociais, ambientais e legais. Disponível em: <https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/80/o/TCEM2014-Biologia-KarollynaLAgaresSouza.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2020. 
OAB/PR. Cartilha de Proteção Animal. Disponível em: < https://wp.ufpel.edu.br/direitosdosanimais/files/2020/09/cartilha-gt-direito-dos-animais-oab.pdf >. Acesso em: 23 nov. 2020.