Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Maicon Douglas de Oliveira
Licenciado em Educação Física
Uma matéria do site Notícias R7 mostrou que durante o Lockdown, em muitos países foram registradas “invasões” de animais silvestres em ambientes urbanos, em muitas cidades da Europa e Ásia foram registrados grupos de animais como javalis, veados, macacos e várias outras espécies que não costumam se aproximar de ambientes urbanos.
No presente ensaio acadêmico nos propomos por meio da perspectiva bioética analisar a questão do impacto da pandemia de covid-19 na população de animais selvagens, e estabelecer uma relação com o princípio da justiça restitutiva.
Em uma entrevista ao Notícias R7 o Professor do Instituto de Biologia da UNICAMP e membro da força tarefa Covid-19 da UNICAMP, atribuiu esse fenômeno à redução da atividade humana nas áreas urbanas, fazendo com que os animais se sintam mais confortáveis ao sentir menos exposição ao risco de explorar essas áreas, tendo em vista a baixa presença de seres humanos.
A pandemia de covid-19 tem trazido grande impacto tanto para os seres humanos quanto ao mundo em que vivemos, seja nas esferas ambientais, climáticas, econômicas ou sociais. Muito se tem estudado sobre os impactos causados em diversos segmentos e obviamente a escassez de informações cientificamente comprovadas é enorme, e com certeza levará algum tempo para que tenhamos mais certezas do que dúvidas em relação a covid-19.
Claramente é necessário aguardar para sabermos os reais impactos que a pandemia trouxe para os animais silvestres, bem como o habitat em que vivem. De maneira superficial e sem embasamento científico, o que se nota é um “fôlego” para esses animais, tendo em vista o isolamento social dos seres humanos. Aparentemente tivemos também, uma redução temporária na agressão ambiental, no que diz respeito a emissão de gases poluentes e poluição dos rios. O comércio e caça de animais silvestres, também passou a ganhar mais destaque, segundo o site Yahoo Notícias o fim do comércio de animais selvagens entrou na pauta do G20 e pode trazer grandes mudanças nos próximos anos.
Na China, após o início da pandemia o consumo e criação e animais silvestres passou a ser proibido, tendo em vista que a origem da pandemia pode ter ocorrido em um mercado localizado na cidade de Wuhan. Essa é uma tentativa de evitar que doenças zoonóticas se propaguem, porém esse “combate” ao consumo e criação de animais selvagens pode esbarrar em uma cultura de consumo e utilização de animais exóticos na medicina tradicional chinesa.
Ainda assim, é preciso reforçar a dificuldade de mensurar o real impacto na população de animais silvestres. Além da pandemia, em vários lugares do mundo, biomas diversos vêm sendo devastados por incêndios e segundo o site BBC News Brasil, os incêndios florestais pelo mundo são os maiores em escala e emissão de CO2 nos últimos 18 anos, ou seja, 2020 além de uma gravíssima pandemia, em muitos países ainda é necessário lidar com grandes fenômenos ambientais que afetam ainda mais esses animais.
Ao prejuízo causado aos animais por ação direta ou indireta dos seres humanos, poderia ser muito diferente se o princípio da justiça restitutiva pudesse de alguma forma ser aplicado pelas pessoas. Esse princípio faz parte do livro Respect for Nature (1986) de Paul W. Taylor, onde, na tentativa de diminuir os conflitos entre as espécies o autor propõe um modelo de “princípios de prioridade”, são eles: Princípio da autodefesa – Princípio da proporcionalidade – Princípio do mau menor – Princípio da justiça distributiva – Princípio da justiça restitutiva (apud Felipe, Sônia T, 2009).
Neste texto abordarei sobre o Princípio da justiça restitutiva, que segundo Taylor (1986, p.185 apud Felipe, 2009), toda ação causada por um agente que possa vir a causar danos a um paciente moral, deve ser compensada por outra ação que possibilite que seja reestabelecida a condição anterior ao dano causado.
Seguindo esse pensamento, se necessitarmos caçar um animal para consumo ou utilizá-lo com outras finalidades que necessitamos, algo deveria ser feito para amenizar esse impacto, como criar outros animais, zelar para que o habitat não sofra dano e venha a prejudicar a vida desses animais, enfim, oferecer algo como forma de restituir o dano causado caso a necessidade de alimento, calor ou trabalho tenha sido utilizada. Claro que não é tão simples quanto parece, tendo em vista que a séculos deixamos de utilizar os animais apenas para sobreviver e passamos a fazer os mais diversos usos e abusos dos animais.
As respostas para esses problemas são complexas e exigem muita discussão de governantes, sociedade civil e órgãos de proteção animal. Ainda assim, é uma tarefa árdua os restituir de forma justa, por todas as ações humanas aos quais esses animais foram submetidos. Basta observamos a quantidade de espécies ameaçadas de extinção, os danos são quase irreversíveis e requerem um enorme engajamento não só dos gestores que tomam decisões, mas da população que precisa cobrar mais os órgãos competentes, conscientizar-se mais do mal que fazemos a estes animais, mesmo que indiretamente ou de forma que seja uma ação entendida como crime ambiental.
Talvez toda essa crise seja um momento para as pessoas refletirem sobre o impacto das ações de cada um no mundo, e as mudanças necessárias para que de alguma forma os impactos causados possam ser minimizados, pois a densidade populacional humana, aumenta a cada dia. Ou seja, ocupamos cada vez mais o espaço de outrem, sem prezar que aja desenvolvimento sustentável de nossa espécie, para reduzir o impacto a todas as outras, esse crescimento da população, afeta diretamente não só os animais, mas os ecossistemas que nos cercam.
O cenário não parece ser tão animador no ponto de vista de vida animal, mesmo que existam, como já dito acima, sinais de um certo “fôlego” para esses animais, levando em consideração que o “saldo” positivo ou negativo será determinado de acordo com o cenário de cada país, e nas tomadas de decisão que podem ter negligenciado ou não a vida desses animais. Será necessário muito diálogo, pesquisas e principalmente ações que possam trazer proteção a todos os animais e os seus respectivos habitats.
Eu como educador físico e futuro Bioeticista acredito que as mudanças são necessárias, o diálogo e o conhecimento são essenciais nesse processo. Se a minha ideia de que uma justiça restitutiva é muito difícil de ser aplicada, por outro lado, acredito que a preocupação dos seres humanos com a natureza também pode ser maior e pode diminuir o impacto causado em outras espécies de seres vivos que habitam o nosso planeta.
Buscar uma convivência mais harmoniosa entre humanos e animais é uma tarefa difícil se pensarmos no quanto dependemos dos animais para finalidades diversas. De qualquer modo já que nos colocamos no topo de uma cadeia alimentar e nos julgamos “superiores” aos animais pela nossa capacidade de consciência, inteligência e evolução, talvez isso no torne ainda mais responsáveis por buscar um equilíbrio entre a nossa existência e a existência deles, onde determinada espécie não seja condenada a extinção em prol da nossa sobrevivência, crescimento populacional e utilização dos recursos existentes em nosso planeta.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental tendo como base as obras de:
FELIPE, SÔNIA T. Ética Ambiental Biocêntrica: Limites E Implicações Morais. , , n. 1991, p. 2008–2011, 2009.
FELIPE, S.T. Antropocentrismo, Sencientismo e Biocentrismo: Perspectivas Éticas Abolicionistas, Bem-Estaristas e Conservadoras e o Estatuto de Animais Não-Humanos. Páginas de Filosofia, v. 1, n. 1, p. 2–30, 2009.
Fim do comércio de animais selvagens entra em pauta no G20. Disponível em:<https://br.noticias.yahoo.com/fim-com%C3%A9rcio-animais-selvagens-entra-110042415.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAAG0qrBfYvN8JJVrRpoRpiESHXLlGBgRAz-cMtl4KFdKTpMYH51K-W9GrY9mvbu3xFkzoAhP4IjmddiIQJTNtdHCuAsEAmjrXqJvWH1F-jO4w9ok9kPznyIdLf2y0GEhcieU6Jxoq6AEhX4L2Tk5RB2ji_JOWhmlE4Gf-S_ps2XsS>. Acesso em 23/11/2020.
Incêndios florestais são os maiores em escala e em emissões de CO2 nos últimos 18 anos. Disponível em:< https://www.bbc.com/portuguese/geral-54202546#:~:text=Todos%20os%20anos%2C%20cientistas%20dizem,%C3%A9%20queimada%20por%20inc%C3%AAndios%20florestais.&text=Quando%20florestas%20queimam%2C%20emitem%20grandes,que%20acelera%20o%20aquecimento%20global.>. Acesso em 23/11/2020.
Por que animais estão invadindo as cidades durante quarentena? Disponível em:<https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/por-que-animais-estao-invadindo-as-cidades-durante-quarentena-24042020>. Acesso em 22/11/2020.
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