Série
Ensaios: Bioética Ambiental
Por Luciano Máximo da Silva
médico paliativista e mestrando em Bioética
A BBC Future-BBC.com , em publicação do mês de maio de 2020, com o artigo intitulado, The life-saving medicines inspired by animals ( Os medicamentos que salvam vidas inspirados em animais -livre tradução), afirma que a medicina tradicional chinesa utiliza ingredientes de aproximadamente 36 espécies de animais , desde rinocerontes, ursos negros , tigres, cavalos-marinhos , entre outros , e muitos dos quais estão em risco de extinção. Tradicionalmente, também são utilizadas picadas de tarântulas e suas presas trituradas na América do Sul, Ásia e África.
Quem poderá tomar decisão sobre a vida de animais não humanos que são seres sencientes? Quem os dará voz? Que voz os representará quando a vida humana se sente ameaçado pela pandemia da COVID19 e as pessoas e governos em seu afã por conseguir cura ou tratamento sacrificam animais usando parte deles para tratamento sem comprovação cientifica? E se ciência comprovasse que tais sacrifícios fossem importantes para salvaguardar a vida humana, qual seria a medida? Qual seria a proporcionalidade dessas mortes?
Conforme relata Zoe Cormier, a imensa maior parte dessas medicações tradicionais não tem apoio por nenhuma evidência científica e procura desesperada por partes de animais já contribuiu para diversas extinções. Além disso, os cientistas alertam para o fato de que a exploração da vida selvagem causará novas pandemias, que podem ser mais intensamente mortais que a covid19(que surge a partir da exploração da vida selvagem).
O Governo Chinês em seu movimento de enfrentamento a covid19 assume novos riscos , explorando partes de ursos negros e de rinocerontes, promovendo não somente a ampliação das fazendas de criação de animais selvagens, risco de extinção de animais já em número populacional reduzido, e a possibilidade outras doenças serem transmitidas a partir da vida selvagem para a vida humana.
Sempre que se pensa, avalia ou promove um mecanismo de exploração dos recursos ambientais que assegurem a preservação da saude humana ou o resgate da mesma, precisa necessariamente de instrumentos éticos e bioéticos, regidos por princípios que norteiem essa relação de forma a salvaguardar direitos, deveres e a vida de uma forma geral, sem escolhas aleatórias, impulsionados exclusivamente pela proteção a vida humana, as proteção a todas as formas de vida .
Segundo, Diego da Silva Ramos, O princípio da proporcionalidade tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade. Mas, quais seriam os direitos individuais nessa situação de luta contra a COVID-19 e quais seriam os anseias das diversas sociedades existentes no planeta, e aqui precisa ser ampliado o olhar para além da sociedade humana. Quem são os agentes e pacientes morais nessa situação? Quais os lugares de fala que são de extrema importância que exista? E quem não se expressa pela compreensão humana de linguagem, poderá contar com quem que os possa representar?
É notório que o princípio de proporcionalidade se desenvolve através da mecanismos que protegem os indivíduos dos excessos cometidos pelo estado. Na situação em que os animais são inseridos em um contexto de uso como zooterápicos, em que eles não tem poder de escolha ou de desejo em relação a si , estamos diante do paciente moral, em que a ação humana, ou do estado , irão ditar como será esse uso e se ele será autorizado ou não . A decisão não cabe aos animais e eles não são participes ativos em todo um processo que só cabe a eles esperarem pela decisão das necessidades humanas. (Fischer et., al 2018). Por um lado contrário, ao ocupado pelos animais enquanto pacientes morais, existe a sociedade humana, representada pelo estado, como agente moral desse processo. Sejam quais forem suas necessidades, suas urgências, haverá um movimento pratico e reflexivo de se atender sem se questionar muito pelo paciente moral, já que suas necessidades não são a ventadas e nem mesmo considerada diante das muitas urgências humanas.
Como exemplo podemos citar o que recentemente ocorreu na China, que entre os meses de março e abril de 2020 promoveu o uso da bile de ursos, em forma de pó para o combate do coronavírus. (RACHEL FOBAR,2020). Segundo a jornalista RACHEL FOBAR, pouco tempo após tomar medidas para banir permanentemente o comércio e uso de animais silvestres vivos para alimentação, o governo chinês recomendou o uso de Tan Re Qing, uma injeção contendo bile de urso, para tratar casos graves e críticos de Covid-19. Apesar de não se existir cura, ou tratamento consensual , houve uma liberação para esse uso irrestrito que segundo Clifford Steer, professor da Universidade de Minnesota, em Minneapolis, não se foi comprovado nenhuma eficiência ou melhora nos casos críticos ou leves de covid-19, através do uso de bile de ursos ( Rachel Fobar, 2020).
Refletindo que o princípio da proporcionalidade protege contra os excessos do estado, como ele poderia ser utilizado em tal situação como um caminho argumentativo, que auxiliasse no processo de deliberação moral, propondo a não utilização de tais tratamentos. Parece muito lógico e claro que se não deve usar algo sem comprovação, mas o convencimento social, não é tão simples e claro, por isso a necessidade de caminhos éticos que possam nortear tais decisões.
O principio de proporcionalidade é dividido em subprincípios ou requisitos para que haja o seu desenvolvimento e analise (Diego da Silva Ramos,2011) , sendo eles : adequação ( utilidade ), necessidade ( exigibilidade ) e proporcionalidade ( sentido estrito) . Assim, avaliar se existe compatibilidade entre o fim pretendido e os meios que serão utilizados para ser alcançado esse objetivo final. Escolher e adotar medidas e meios que causem o menor número possivel de sacrifícios e limitações, gerando o mínimo de sofrimento possivel. E finalmente, qual o sistema de valores utilizados, bem quais as medidas protetivas nesse sistema de valores, quais as vantagens e desvantagens para os agentes morais e para os pacientes morais. Quais os critérios que irão nortear a adequação entre os meios e os finas, como a existência de caminhos alternativos além desse que está sendo proposto.
Outro medicamento aprovado pelo governo chinês no enfrentamento da covid-19 , é o é um comprimido chamado Angong Niuhuang Wan. Utilizado para tratar a febre e diversas doenças, tradicionalmente contém chifre de rinoceronte, cujo comércio é rigorosamente proibido em todo o mundo. Segundo as leis chinesas, os comprimidos devem conter chifre de búfalo, explica White, mas alguns comerciantes continuam vendendo comprimidos que contêm chifre de rinoceronte. (Rachel Fobar, 2020). Essa é outra conduta grave da Comissão Nacional de Saúde chinesa, que em sua atitude , coloca em risco animais que estão ameaçados de extinção , diante de uma doença sem proposta terapêutica, tem se feito qualquer coisa , tomado qualquer medida , sem clara justificativa, sem embasamento cientifico e sem qualidade técnica que confira valor a essas propostas. Em nota subsequente, o governo chinês afirma que seria utilizado chifre de búfalos, mas isso ainda é grave e sem qualquer critério científico que apoio tal medida enfrentamento em saude publica.
Deve-se considerar que tudo isso representa um risco não somente ao meio ambiente, mas a vida humana de uma forma geral. Esse contato do ambiente selvagem com o ambiente doméstico da sociedade, traz risco de se introduzir novas espécies de parasitos no homem, como é o caso da infecção pelo coronavírus, que é o resultado desse contato impensado, danoso para todas as espécies animais, incluindo o animal humano.
Conforme Renata Maciel Cuiabano (2001), no direito ambiental o princípio de proporcionalidade deriva do princípio de precaução. Sendo assim, quais seriam as precauções tomadas ao se decidir que partes de um animal serão utilizadas como zooterápicos? Quais seriam os danos ambientais? No caso de ursos, búfalos, rinocerontes, o risco está em sua própria morte, no desequilíbrio de ecossistemas advindo do desequilibro causado pela extinção de uma espécie, além do sofrimento causado por algo que comprovadamente é ineficaz para curar ou melhor um estado crítico agudo causado pela covid-19. Os efeitos dessa medida aplicada pelo governo chinês são irreparáveis. E qualquer uso de animais como zooterápicos será uma medida de difícil reparação, porque o primeiro grande dano é a vida dele que se perde, e que não se poderá ser reparada.
Portanto ao se pensar em proporcionalidade no uso de animais coo zooterápicos para enfrentamento e tratamento da covid-19, essa medida acaba sendo desproporcional, inadequada e irreparável. A medida proporcional e coerente com o próprio mecanismo de propagação da doença seria concentrar esforços internacionais na criação de uma vacina segura, sendo está o único caminho que poderia conter preventivamente a propagação do coronavírus e o crescente número de mortos relacionados com a covid-19.
Eu, como médico paliativista e futuro bioeticista, acredito que todas as formas e expressões de vida, são imensuráveis em seus mais profundos valores, ético e bioético, não cabendo decisões apressadas em dizer que a vida dos animais é menos importantes ou dignas, diante da vida humana. Há que se entender a dignidade presente na natureza, no meio ambiente, que será diferente do que acontece na vida dos homens, assim como é diferente a definição do que é digno entre os próprios humanos. Decisões que desconsiderem o outro, que desrespeitam e desvalorizam a vida, jamais deveriam ser encorajadas por governos, principalmente, aquelas com ausência de eficácia comprovada e até mesmo repudiadas pela ciência. Pensamentos superficiais, rasos de valores éticos e científicos, fazem com que mais desequilíbrios se faça na natureza e na relação com o ser humano. Quanto mais animais silvestres domesticados, escravizados, assassinados em fazendas de criação selvagem, tanto mais pandemias e dificuldades a serem enfrentadas pela sociedade. Também acredito que um discussão plural, interdisciplinar, coerente e construída por princípios bioéticos , como o da proporcionalidade, trará maior equilíbrio a questão dos animais serem utilizados como zooterápicos em uma pandemia que pouco se sabe, ou quase nada se sabe e que muito se terá a aprender. As esferas municipais , estaduais e federais da politica publica ,devem sempre salvaguardar relações de harmonia na forma como o cidadão explora o meio ambiente e os animais, jamais esquecendo da vulnerabilidade do segundo, e que sua vida e sua existência ,também são importantes, não somente por si , mas por nós que aqui estamos .
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5865/O-principio-da-proporcionalidade#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20proporcionalidade%20(que,com%20os%20anseios%20da%20sociedade.
FISCHER, Marta Luciane; PALODETO, Maria Fernanda Turbay and SANTOS, Erica Costa dos. Uso de animais como zooterápicos: uma questão bioética. Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. 2018, vol.25, n.1, pp.217-243. ISSN 1678-4758. https://doi.org/10.1590/s0104-59702018000100013.
https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2020/04/china-uso-bile-de-urso-tratamento-novo-coronavirus-covid-19-oms
file:///C:/Users/lucia/Downloads/1800-3671-1-PB.pdf
https://www.bbc.com/future/article/20200507-medicines-and-drugs-from-animals-venom
https://www.downtoearth.org.in/blog/wildlife-biodiversity/some-unexpected-lessons-for-living-with-wildlife-post-covid-72150
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