Sofrimento psicológico de profissionais da saúde em tempos de Covid-19

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Por Aline Maran Brotto

Psicóloga e mestranda em Bioética


Entrar em isolamento social ou quarentena, são medidas difíceis de realizar quando se pensa na saúde mental das pessoas, pois “o que farei em casa?”, muitas vezes, esse ficar em casa, de fato é sem a presença de absolutamente ninguém, o que causa aflição e receios. Pois, como será depois do Covid-19? Quando irá acabar isso?
Bem, talvez tão difícil quanto, ou ainda mais, é a relação de quem é um profissional da saúde. Existe uma diferença bastante importante quando se trata do que estamos vivenciando com o COVID-19. Acredito que a maior diferença se dá pelo desconhecimento do que está acontecendo. Bem, sabe-se que a prevenção é a melhor forma de combate, e obviamente sabe-se que ainda não há cura definitiva conhecida para esse vírus, mas, e o mais disso? Como trabalhar mediante sintomas, sem saber o que vem depois? Ou quando é esse depois? Já que temos o conhecimento do que ocorreu e ocorre em outros países. Como não deixar a ansiedade – por exemplo – falar mais alto?!
O atendimento de inúmeros paciente, a grande pressão e necessária atenção em um ambiente contingente ao stress, podem derivar em uma síndrome denominada de Burnout. Esta, foi descrita pela primeira vez pelo psicólogo H.J. Freudenberger, no ano de 1974, para descrever um sentimento de fracasso e exaustão causado por um excessivo desgaste de energia, força e recursos. A síndrome da exaustão constitui um quadro caracterizado por exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. A exaustão emocional representa o esgotamento dos recursos emocionais do indivíduo. É considerado o traço inicial e decorre principalmente da sobrecarga e do conflito pessoal nas relações interpessoais. 
Como podemos cuidar de nossos profissionais da saúde, para que não entrem em exaustão emocional?
Diferentemente de situações em que ao sair do Hospital ou Unidade de saúde, o profissional da saúde não se depara com a situação vivenciada em seu trabalho, com o Covid-19, o profissional de saúde sai do trabalho e recebe notícias do vírus com grande frequência. Já que grande parte da população, inclusive os meios de comunicação fornecem informações sobre a pandemia. O profissional da saúde depara-se com a situação que trabalha, além das paredes do hospital. Expressões como "isto é natural na unidade", "faz parte da rotina", não são comuns para a atual realidade a qual vivenciamos.
Como ressignificar tudo que está acontecendo? Como conviver com o estresse que agora pode estar além do considerado “normal”?
Nesse momento os profissionais da saúde – bem como outros profissionais que estão na linha de frente do cuidado com a população – também podem desenvolver uma depressão situacional, que seria uma depressão a curto prazo que ocorre como resultado de um evento traumático ou mudança na vida de uma pessoa. A depressão situacional decorre da luta de uma pessoa para chegar a um acordo com as mudanças que ocorreram, e nesse momento há muita luta! E o pensamento está majoritariamente no contexto de saúde que vivemos.
Mas, para a saúde mental de todos, é necessário estratégias que auxiliem nesse contexto, a psicologia auxilia no enxergar para além do que está acontecendo, e que outras situações acontecem enquanto penso na saúde dos pacientes. Viver o momento presente é fundamental! De que modo a Bioética poderia contribuir nesse contexto?
Bem, a bioética narrativa, por sua vez, pontua que isso é passageiro, que está sendo escrita um capítulo importante em nossa história.
Logo, qual a narrativa que a bioética pode dar para esse enredo que vivenciamos? A bioética narrativa vem trazer a reflexão que somos autores de nossas próprias vidas, e que enquanto profissionais da saúde – por exemplo – está sendo preenchida uma história com uma narrativa até então não vivenciada, logo, deparamo-nos que somos únicos, autênticos!
A noção de sermos únicos é benéfica quando nos dispomos a pensar que vale a pena se cuidar e viver o cuidado do paciente. Pensar no todo muitas vezes, e não no que está sendo feito no momento, pode ser prejudicial, pois abre margem para a inúmeros pensamentos hipotéticos e ansiosos. A bioética narrativa traz uma consideração muito relevante neste momento, para que uma narrativa de vida faça sentido, ela precisa ser contada como uma história com começo, meio e fim. Iniciamos uma história com o Covid-19, ainda há muito a se caminhar, mas de alguma maneira, estamos vivenciado a nossa história.
A psicologia afirma a importância das redes de apoio, que não necessitam ser presenciais, ainda mais nesse momento. Levarmos em conta que não estamos sós, e que outros profissionais da saúde – bem como, outras profissões – estão vivenciando algo parecido, pode trazer um sentimento de empatia, que faz com que nos movamos por um objetivo em comum.
É importante que todos tenham -inclusive os profissionais da saúde – espaço para falar sobre os seus temores, se permitir sentir a falta de abraçar uma pessoa querida, por exemplo, e dar valor quando isso puder acontecer. Estamos abrindo espaço para a sensação da possibilidade de contrair o vírus, ou estar diante dele no trabalho? É possível observar os pensamentos e sentimentos vivenciados, mas não esquecer valores de proteção e autocuidado. 
Assim sendo, profissionais da saúde estão vivenciando um momento delicado, mas, que deve ser sentido! Esse momento, já faz parte de uma história que cruza com inúmeras histórias, com diversos autores, e vivenciar este “aqui e agora”, nos ensina a aprender com nossas histórias, e não apenas passar por elas. 


Referências
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