A fé pode ser uma ferramenta para a cura gay?



Série Ensaios: Sociobiologia

 Por: Charles Henrique Cabel Nascimento, Fabrício Galera Tranin, Fernanda Custel Zonato, Gabriella Pereira dos Santos, Giovane Douglas Ferreira, Lívia Frazão Amarante Messias, Rafael Sampaio Nenevê, Rodrigo Cezar Marchis
Formandos em Ciências Biológicas e Psicologia.



Ser gay é um pecado, acredita Pastor Sargento Isidório, que foi eleito deputado federal na Bahia no ano passado, colocando em suas pregações (ele é pastor da Assembleia de Deus) ou em seus discursos no plenário da Câmara, que segundo a Bíblia a homossexualidade é tão grave quanto roubar ou matar, enfatizando a ideia que “O pior pecado é a negação da espécie, porque homem com mulher vem filho. Homem com homem não vem nada”. Um de seus projetos, apresentados nos primeiros dois meses de mandato, é a criação do “Dia do Hétero”, para formalizar que a força hétero é maior.
 Logo, Isidório se autoproclama ex-gay e prega que a homossexualidade é uma escolha de três vias: pelo que ele chama de “safadeza”, que significaria ceder aos desejos sexuais mais “profanos”; pelo estímulo da “mídia”; ou porque pais e mães, no período da gravidez, desejaram um bebê de gênero contrário ao do nascimento do filho. Ele também defende que a reparação à discriminação histórica de minorias não seja concentrada apenas nos gays. “Os negros, por exemplo, ainda não têm reparação. Negro não escolhe ser negro. Já a questão sexual é uma escolha”, arrematou o deputado.
Em seu histórico, episódios de abuso de álcool, drogas e relacionamentos homossexuais. Na bíblia, diz que encontrou a salvação. Até do vírus HIV ele se livrou, segundo seu próprio relato. Isidório afirmou ter se livrado do alcoolismo, das drogas e da vida homossexual depois de ter se convertido à religião evangélica. Disse que, mesmo sem ter feito tratamento médico, nunca mais ocorreu em nenhum dos três hábitos.
Na reportagem de capa de Época desta semana, a história completa do pastor que se tornou o deputado mais votado da Bahia, que mantém a Fundação Doutor Jesus para resgatar jovens dependentes químicos, e que diz com todas as letras: “Se ser gay fosse bom, eu estava gay até hoje”.

HOMOSSEXUALIDADE NOS DIAS ATUAIS

A questão da orientação sexual, tem nos dias de hoje, ocupado um importante espaço nas discussões populares, religiosas, jurídicas e científicas, em especial no que diz respeito a sua natureza biológica. As práticas homoafetivas são frequentemente compreendidas como algo que vai contra a natureza do Ser humano, e que, portanto, devem ser dissipadas da sociedade. A falta de conhecimento sobre o assunto têm sido geradoras de preconceito, discriminação e violência contra essa população. E para compreender mais profundamente este fenômeno, cientistas de diversas áreas têm realizado, há algumas décadas, pesquisas sobre o tema, identificando a prática sexual entre indivíduos do mesmo sexo como um comportamento nada recente no repertório dos seres humanos.
Os cientistas historiadores, encontram evidências de práticas homoafetivas existentes desde a antiguidade, nas sociedades egípcias, mesopotâmicas e gregas, presentes em mitologias, escrituras, desenhos e hieróglifos. Foi somente a partir da Alta Idade Média que as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo passaram a ser condenadas, e apenas no séc. XIX que o termo homossexualismo passou a existir no discurso médico (FARO, 2015).
Nos dias de hoje, a homossexualidade permanece sendo proibida em alguns países, sob pena de prisão e em alguns casos até de morte. No Brasil, a união  de casais homoafetivos só foi reconhecida legalmente em 2011 e o direito ao casamento civil em 2013, estando ainda em processo um julgamento no STF que pretende tornar crime a homofobia.
Em 2017, as discussões sobre homosexualidade tomaram ainda mais força no país, após a decisão de um Juiz do Distrito Federal, que contrariando as resoluções do Conselho Federal de Psicologia e orientações da OMS, determinou a liberação de Psicólogos para realizarem terapias de reversões sexuais, conhecida popularmente por “Cura Gay”.
As comunidades LGBTIs e o Conselho de Psicologia se manifestaram sendo contrários a decisão do juíz, a partir da justificativa de que homossexualidade não é uma doença ou escolha, e portanto, não há nada que precise ser curado ou passível de ser revertido. Em 1973 a Associação Psiquiátrica Americana retira a homosexualidade da classificação como patologia. Tal mudança de tamanha importância só se tornou possível a partir dos estudos científicos que ampliaram a compreensão a respeito do assunto (ALVES e TSUNETO, 2013).
As primeiras pesquisas científicas sobre o tema surgiram como contribuições das neurociências. Em 1991, o neurocientista Simon LeVay pública evidências de um estudo que aponta para uma diferença na região do hipotálamo de indivíduos homosexuais em comparação a individuos heterosexuais. O estudo sugere que no hipotálomo de homosexuais há uma quantidade menor de neurônios específicos que respondem a testosterona. Apesar de seus estudos terem sido questionados em decorrência de todos os participantes serem portadores de HIV, a partir de suas pesquisas, LeVay aponta para a possibilidade da homosexualidade receber influências de fatores da vida intrauterina.
Em 1993 o geneticista Dean Harner identificou a presença de um gene localizado no cromossomo X que era idêntica em irmãos gêmeos homosexuais. Outras pesquisas analisaram gêmeos bivitelinos e perceberam que quando um deles é homosexual o outro tem 22% de possibilidade de ser também. A probabilidade para univitelinos sobe para 52%. A partir destes estudos os cientistas estimam que até 40% da orientação sexual deriva-se dos genes.
Outros estudos genéticos buscaram compreender de que forma a homosexualidade pode ser explicada através da teoria da evolução. Para cientistas da Universidade de Torino, uma explicação possível seria de que alguns genes são disseminados para dar vantagens reprodutivas a um dos sexos. Neste caso revelou-se que mulheres da linhagem materna de homosexuais são em média mais férteis que a maioria. Logo, segundo essas pesquisas, as mulheres que contêm tal gene e são mais férteis possuem maior propensão a gerar descendentes. 
Identidade de gênero se refere ao gênero que a pessoa se identifica, mas pode também ser usado para referir-se ao gênero que certa pessoa atribui ao indivíduo tendo como base o que tal pessoa reconhece como indicações de papel social de gênero.

TIPOS DE GÊNERO

Masculino e feminino,  sentem atração por pessoas do mesmo sexo.
Trans homem ou mulher,  nasce mulher/homem mas deseja ser reconhecido como o sexo oposto ao do nascimento.
Travesti, na maioria de suas expressões, a travestilidade se manifesta em pessoas designadas homem no nascimento, mas que objetivam a construção do feminino, através de roupas e podendo ou não incluir procedimentos estéticos.
Transgênero é um conceito abrangente que engloba grupos diversificados de pessoas que têm em comum a não identificação com comportamento ou papéis esperados no sexo biológico, determinado no seu nascimento.
Homem transexual, é o transexual que foi biologicamente designado mulher ao nascer, mas se identifica como sendo do sexo e gênero masculino.
Mulher transexual, é uma pessoa adulta que se identifica como sendo do sexo e do gênero feminino, embora tenha sido geneticamente - e oficialmente, pelos pais, quando do nascimento - designada como pertencente ao sexo masculino.
Neutros, o estado de ser nem macho nem fêmea pode ser entendido em relação ao sexo biológico do indivíduo, ao seu papel social de gênero, ou à orientação sexual.
Sem gênero, é o indivíduo que se intitula nem homem, nem mulher. É conhecido também como ‘’agender’’, identidade que tende a ser descrita como a falta de gênero.
       Pesquisas epigenéticas também tem surgido como possibilidades de explicação de determinantes biológicos da homosexualidade. A epigenética se caracteriza pela alteração herdável na expressão gênica, sem que haja mudança na sequência do DNA. De acordo com tais estudos, ao longo da gestação, os fetos masculinos e femininos são expostos a variadas quantidades de testosterona. A epimarca presente no gene torna o cérebro dos meninos mais sensíveis à testosterona e o das meninas mais resistente, a fim de preservar características sexuais em ambos. No caso de homosexuais, o modelo epigenético sugere que há uma inversão na transmissão de epimarcas (epimarcas sexualmente antagônicas), ou seja, o pai transmite seus marcadores a uma filha, tornando-a mais sensível à testosterona e uma mãe transmite seus marcadores ao filho, tornando-o menos sensível à testosterona (ALVES e TSUNETO, 2013). A partir da explicação epigenética, a homosexualidade também permanece como uma caracteristica que não necessariamente precisa ser removida pelo processo de seleção natural.
O debate sobre a origem da orientação sexual, alguns dizem que uma pessoa nasce gay e outras sustentavam que nos tornamos gays, bi ou heterossexuais dependendo do ambiente em que vivemos. Os estudos biológicos indicam que a formação da sexualidade acontece antes do nascimento, em parte pelos genes, mas também por fatores que atuam no desenvolvimento do feto. Não há nada comprovado e ainda falta muito a ser desvendado, especialmente sobre a influência do ambiente onde a criança é criada em sua sexualidade. Mas as evidências estão causando uma revolução no pensamento científico. E se comprovadas, poderão subverter noções básicas que construímos ao redor dos gays.
“Os homossexuais são muitas vezes acusados de exibir um comportamento não natural. A única maneira de refutar essa acusação é pesquisar as causas das diferentes orientações sexuais”, diz a bióloga transexual Joan Roughgard, professora da Universidade Stanford e autora do livro Evolution’s Rainbow, em que analisa cerca de 300 casos de comportamento homossexual entre animais. Para o antropólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia, as pesquisas são importantes porque desconstroem a noção religiosa milenar de que homossexualidade é um comportamento diabólico e patológico. “Se comprovarem que há uma raiz genética, estará claro que a homossexualidade está nos próprios desígnios do Criador”.
Outros estudos importantes para a compreensão da homossexualidade, se referem àqueles de comparação com outras espécies de animais. Cientistas já observaram a presença de comportamentos sexuais entre animais do mesmo sexo em cerca de 1500 espécies. A união e cópula entre o mesmo sexo é comum por diversos motivos: alianças estratégicas contra predadores, incapacidade de diferenciar macho e fêmea, reforçamento de hierarquia, necessidade de expressão de cuidados parentais, entre outros. Estes estudos comparativos reforçam a ideia de que a sexualidade é algo muito mais amplo no reino animal do que as imposições de regras morais que determinamos para a espécie humana.
Também é possível citar que, como estratégia evolutiva a homossexualidade apresenta controle populacional, protegendo o ambiente de superlotação quando necessário. Segundo pesquisas após o nascimento de cinco filhos machos em uma família de seres humanos, a possibilidade do quinto nascer homossexual aumenta drasticamente.
Joan Roughgarden, bióloga e  professora da Universidade de Stanford, realizou um trabalho em que analisa por volta de 300 casos de comportamento homossexual entre as espécies humana e animal. Segundo ela, a orientação homossexual é um traço natural que mantém a união dos indivíduos de um grupo através do contato (ROUGHGARDEN, 2004).
Em resumo, o comportamento homossexual tem uma função pacificadora nos grupo animais, seja evitando agressão , criando escalas de submissão ou formando alianças. Se as pesquisas sobre o comportamento sexual dos animais estiverem apontando na direção correta, tudo indica que a homossexualidade está estreitamente ligada à evolução de comportamentos sociais mais complexos, provavelmente agindo como redutora da agressividade entre machos. (WERNER , 1998).
Ainda que difícil de comprovar, porém através de pura observação e raciocínio lógico pode-se concluir que o homosexualismo desempenha função vital nos grupos animais sobretudo os gregários ajudando a manter esses grupos unidos. Por isso o homosexualismo pode ser entendido como uma estratégia evolutiva muito eficaz que persiste e continua persistindo mesmo com o ser-humano querendo ou não querendo.
     O condicionante etológico influência na sobrevivência e reprodução de um organismo, por exemplo o canto dos pássaros com a intenção de atrair as fêmeas, aumentando as chances de acasalamento. O canto é parte de um ritual de ‘’namoro’’ que estimula a fêmea a escolher o macho.
As contribuições científicas acerca das bases biológicas e etológicas da homosexualidade, permitem compreende-la como algo natural, e portanto, não podendo ser considerada uma patologia. Experiências de pessoas submetidas a estes processos já confirmam há anos a ineficácia da tentativa de modificação de suas preferências sexuais e os impactos traumáticos que estes processos podem ter em suas vivências subjetivas.
O preconceito por parte dos pesquisadores que buscam uma base genética ou biológica para a homossexualidade é um tema amplamente discutido atualmente e também é ressaltado segundo Malott (1996), segundo seus trabalhos a condicionantes sociais e culturais intrínsecos para o entendimento da formação sexual do indivíduo, sendo que há uma grande influência social inserido onde a pessoa sofre contingências de reforçamento e punição, resultado de um condicionamento de imprinting. O autor afirma acreditar, portanto, que nós nascemos bissexuais ou, inclusive, “multisse-xuais”, ou seja, suscetíveis a reforçadores sexuais de variadas fontes, e que nossa inclinação em direção a determinado(s) sexo/gênero, assim como a aversão que sentimos frente a certas formas de estimulação sexual são resultado de nossa história comportamental.
Um possível condicionamento psicológico para esta atitude do pastor seria a religião, visto que boa parte de sua argumentação é baseada na bíblia, e tendo em vista que a interpretação de livros sagrados seja algo individual (ainda que muitas pessoas possam compartilhar a mesma interpretação sobre algum tema proposto no livro), isto nos levou a acreditar que este seria um condicionamento psicológico.
Fatores biológicos são certamente responsáveis por boa parte da orientação sexual, pois a biologia não é completamente determinante, a predisposição para para a homossexualidade vai se manifestar ou não dependendo das experiências de vida da pessoa. Vimos como a etologia humana, a sociobiologia e a psicologia evolutiva, procuram dar conta das diferenças entre homens e mulheres. A etologia, centrando-se na descrição dos comportamentos observados e procurando invariantes através de estudos comparativos, para tentar compreender o que podem ser os comportamentos diferenciais próprios à espécie e a sua possível história evolutiva, já a sociobiologia, procura analisar os comportamentos sociais com base na aprovação teórica de que os organismos procuram potencializar a sua vantagem inclusiva, centrando-se portanto nas consequências comportamentais da transmissão genética diferencial, e a psicologia evolutiva, interpretando a mente como um conjunto de dispositivos de tratamento de informação modelados pelo ambiente de adaptação evolutiva, isto é, na sua maior parte pelas condições de vida dos grupos de caçadores humanos.
Na nossa espécie a diferença do corpo entre machos e fêmeas foi muito importante para a sobrevivência visto que os machos se especializaram com um corpo forte e resistente, permitindo uma separação de tarefas que ajudou a espécie a ter sucesso. A diferença de machos e fêmeas é muito importante e a existência de um amplo espectro sexual no ser humano permitiu a sobrevivência e o sucesso do grupo, portanto tais formas de expressar sexualidade devem ser respeitadas. A forma como os grupos de humanos se formaram culturalmente foi de grande parte influenciada pelas diferenças de biotipo entre homens e mulheres, como por exemplo, esportes realizados na Grécia tinham como objetivos promover o melhoramento do corpo masculino tornando mais fortes e resistentes.
        Podemos considerar, que não há uma resposta para a explicação da origem do comportamento homossexual. A exclusividade do padrão sexual parece ser um produto sócio-cultural que restringiria as inúmeras formas às quais o corpo humano seria passível de estimulação, os fatores genéticos e biológicos podem afetar o desenvolvimento individual, influenciando as relações sociais e todo o processo de constituição do conjunto sexual, e por mais que as experiências iniciais tenham repercussão relevante na vida sexual futura, estas são pilares de uma cadeia complexa que envolve fatores sociais e biológicos de forma indissociada.
     Se conclui, que ainda não existem estudos científicos suficientes para se determinar a origem da homossexualidade humana, até porque os estudos sobre o tema (que não o reconhecem como patologia) vêm crescendo nas pesquisas científicas, sendo clara a  importância de pesquisas sérias e éticas nesta área já que várias tentativas foram feitas no sentido de "explicar" a homossexualidade ou no sentido de "curá-la" produzindo preconceitos cruéis a pessoas homossexuais, e que deveriam ser considerados como atentatórios à natureza humana.
      Cabe a nós, futuros profissionais das áreas da biologia e psicologia, a implicação em produção de conhecimentos que contribuam cada vez mais para a despatologização de experiências humanas e consequentemente na redução de preconceitos e exclusões sociais.

O presente ensaio foi elaborado pela disciplina de etologia, tendo como base as obras aqui descritas, auxiliando na composição deste trabalho. Os artigos contribuíram para elaboração do texto, baseando-se no tema indicado e na notícia detalhada pelo grupo.

Artigos relacionados ao tema:

ROUGHGARDEN, J.. Evolution's Rainbow: diversity, gender, and sexuality in nature and people. Los Angeles: University of California Press, 2004.
WERNER , D. Sobre a evolução e variação cultural na homossexualidade masculina. In: PEDRO , J. M.; GROSSI, M. P .; RAGO , M. Masculino, feminino plural. Florianópolis: Mulheres, 1998.

RAMOS, CONCEIÇÃO M. LENCASTRE, AFONSO, P, M. O Feminino e o masculino na etologia, sociobiologia e psicologia evolutiva: Revisão de alguns conceitos. Psicologia [online]. 2013, vol.27, n.2, pp.33-61.


NUNES, E.; RAMOS, K., P. HOMOSSEXUALIDADE HUMANA: ESTUDOS NA ÁREA DA BIOLOGIA E DA PSICOLOGIA. INTELLECTUS – Revista Acadêmica Digital do Grupo POLIS Educacional. Ano 4 (nº 5), 2008.