domingo, 14 de agosto de 2016

Voo sem futuro: O Impacto da urbanização nas aves


Por Fabiane Girardi

Bióloga e Discente do Curso de Especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental



Um olhar um pouco mais atento para a realidade urbana nos permite perceber claramente que todo o desenvolvimento alcançado pela humanidade não danosa apenas para o homem, mas para as espécies que conseguiram superar as significativas mudanças e compartilham o ambiente urbano com as pessoas. Dentre esses animais destacam-se as aves as quais têm figurado em notícias midiáticas no cenário nacional e internacional como nos casos abaixo.



Em 2012, um condomínio de luxo no Amazonas colocou telas de nylon para “proteger” as palmeiras-reais dos periquitos-de-asa-branca, que utilizavam essas árvores como área de repouso e dormitório. Mais de 200 aves morreram, por suspeita de envenenamento, e por ficarem presas nessas telas”.

Outra notícia alarmante, é que ano após ano, surgem novas ‘reclamações’ sobre o horário do canto dos sabiás nas grandes cidades do Brasil. Em 2013 o sabiá-laranjeira foi considerado o terceiro maior causador de ‘barulho’ da cidade de São Paulo, perdendo para a buzina dos carros e os ruídos de transito, respectivamente. Porém, em 2015 veio a explicação: a interferência dos ruídos das grandes cidades é tão grande que essas aves se adaptaram a vocalizar durante a madrugada, que é um momento mais silencioso, onde conseguem se comunicar.

Em 2012, uma pequena cidade do Arkansas nos Estados Unidos, virou manchete de noticiários quando centenas de Red-winged Blackbirds (Agelaius phoeniceus) foram encontradas mortas após o réveillon. Fatos semelhantes ocorreram na Louisiana e na Suécia. E o problema se repete em outras comemorações. Em 2007 pesquisadores registraram que um grande número de aves marinhas abandonou seus ninhos após as celebrações do dia da independência em Gualala, EUA. Apesar de muito protesto, os fogos foram proibidos nesta localidade em 2008.

Existem fortes evidências dos efeitos negativos dos fogos de artifício, mas ainda é difícil mensurar seus impactos sobre a avifauna. Não é fácil estudar o comportamento das aves à noite, no escuro. Pesquisadores holandeses foram muito criativos e contornaram o problema utilizando um radar meteorológico, que foi adaptado para localizar aves de grande tamanho corporal, como gansos. Os dados coletados em três réveillons consecutivos demonstraram que após a meia noite estas aves levantaram vôo, muitas permanecendo em torno dos 500 metros de altitude (quando o usual é até 100 metros) e a agitação durou cerca de 45 minutos. Algumas destas aves voaram muitos quilômetros antes de pousar e descansar.

Outro grande problema para as aves são os gatos domésticos, que atualmente são reconhecidos, no mundo todo, como uma das maiores ameaças globais à biodiversidade, e estão entre as 100 piores espécies invasoras do mundo, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Apenas nos Estados Unidos, todos os anos os gatos domésticos são responsáveis pela morte de aproximadamente 2,4 bilhões de aves. 

Em 2010 no Japão, com o objetivo de diminuir os predadores naturais de uma ave no arquipélago de Ogasawara, que fica ao sul de Tóquio, a população local começou a adotar os gatos ‘selvagens’ como animais domésticos. E antes de tomar medidas mais drásticas, como matar os animais, veterinários se reuniram para treinar e adaptá-los à vida doméstica. O objetivo foi reeducá-los em três meses até eles se acostumarem à nova realidade.

Nos últimos tempos uma nova moda está se instalando nas cidades brasileiras, as grandes fachadas e muros de vidro, principalmente transparentes e espelhados. As aves são incapazes de detectar esse tipo de obstáculo à sua frente. No caso de vidros espelhados, é impossível para elas distinguir a diferença entre o que é real e o que é uma imagem refletida. Somente nos Estados Unidos, cerca de 988 milhões de aves morrem anualmente vítimas de colisões em janelas, um resultado no mínimo alarmante. É considerada uma “epidemia silenciosa”, pois muitas destas mortes passam despercebidas porque é raro um bando de aves chocar contra uma janela/ fachada, ao mesmo tempo. O que geralmente ocorre são colisões individuais ao longo do ano. Dezenas de aves que morrem em decorrência desse tipo de colisão não são sequer encontradas porque acabam sendo predadas por gatos, ratos ou descartadas pelo serviço público de limpeza. Em outros casos, as aves atordoadas deixam o local seriamente feridas, com lesões como hemorragia cerebral ou rompimento de órgãos internos, voando mais alguns metros e morrendo nas proximidades.

As intervenções humanas afetaram significativamente as espécies de aves que habitam os ecossistemas naturais brasileiros, e a resposta a essas alterações varia desde aquelas que se beneficiaram e aumentaram suas populações (p. ex., bem-te-vi [Pitangus sulphuratus]), até aquelas que foram extintas da natureza (p. ex., mutum-do-nordeste [Pauxi mitu]) ¹. Espécies de aves típicas de ambientes urbanos são o pombodoméstico (Columba livia) e o pardal (Passer domesticus), ambas introduzidas no Brasil durante os séculos XVI e XX, respectivamente. Além dessas, outras são favorecidas pelos adensamentos urbanos, como o urubudecabeçapreta (Coragyps atratus), a rolinharoxa (Columbina talpacoti), o beijaflortesoura (Eupetomena macroura), a andorinhapequenadecasa (Pygochelidon cyanoleuca), o sabiálaranjeira (Turdus rufiventris), a cambacica (Coereba flaveola) e o sanhaçucinzento (Tangara sayaca).

Em decorrência às mudanças no ambiente, muitas aves, têm encontrado refúgios para sua sobrevivência em áreas urbanas como praças, bosques, parques, hortos, cemitérios, que de alguma forma, mantém um mínimo de arborização ². Algumas espécies podem interagir de forma negativa com a população humana, transmitindo doenças ou agravando a saúde do homem ou de outros animais e que estão presentes nos centros urbanos, no caso das aves, destaca-se o pombo doméstico (C. livia). Mas na maioria dos casos são os humanos que agem de modo a aumentar o desequilíbrio ambiental, como nos casos citados acima.

E existem inúmeros outros casos onde os impactos humanos causam perdas irreparáveis a algumas espécies de aves, citando rapidamente, o consumo de plástico por aves marinhas que está levando a queda em massa da população de determinadas espécies, os envenenamentos em cultivos de grãos, atropelamentos, acúmulo de metais pesados em aves que se alimentam em locais contaminados, usinas solares que matam pássaros em pleno voo, além dos mais conhecidos como supressão e fragmentação dos ambientes, tráfico ilegal, caça, entre outros. A globalização chegou em um ponto irreversível, onde as consequências são inevitáveis, e os danos muitas vezes não são sequer considerados por puro egoísmo, visando apenas os lucros. A vida deixou de ter valor e passou a ter preço.

Como bióloga, creio que estamos em um período de mudança de paradigmas e de atitudes, onde a conscientização do nosso real papel na humanidade se faz necessária para compreender todas as formas de vida e respeitar o seu espaço. Consumo consciente, reciclagem e reuso, são atitudes que podem ser adotadas como o “primeiro passo”.




O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal tendo como base as obras:



¹ MARINI, M. A. & F. I. GARCIA (2005). Conservação de aves no Brasil. Megadiversidade 1: 95-102.

² MENDONÇA-LIMA, A. e FONTANA, C.S. (2000). Composição, frequência e aspectos biológicos da Avifauna de Porto Alegre Country Clube, Rio Grande do Sul. Ararajuba, 8(1):1-8.


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