Por Fabiane Girardi
Bióloga e Discente do Curso de Especialização em Conservação da Natureza e Educação Ambiental
Um olhar um pouco mais
atento para a realidade urbana nos permite perceber claramente que todo o
desenvolvimento alcançado pela humanidade não danosa apenas para o homem, mas
para as espécies que conseguiram superar as significativas mudanças e compartilham
o ambiente urbano com as pessoas. Dentre esses animais destacam-se as aves as
quais têm figurado em notícias midiáticas no cenário nacional e internacional
como nos casos abaixo.
“Em 2012, um condomínio de
luxo no Amazonas colocou telas de nylon para “proteger” as palmeiras-reais dos periquitos-de-asa-branca, que utilizavam essas
árvores como área de repouso e dormitório. Mais de 200 aves morreram, por suspeita de
envenenamento, e por ficarem presas nessas telas”.
Outra notícia alarmante, é
que ano após ano, surgem novas ‘reclamações’ sobre o horário do canto dos
sabiás nas grandes cidades do Brasil. Em 2013 o sabiá-laranjeira
foi considerado o terceiro maior causador de ‘barulho’ da cidade de São Paulo, perdendo para a buzina
dos carros e os ruídos de transito, respectivamente. Porém, em 2015 veio a
explicação: a interferência dos ruídos das grandes cidades é tão grande que
essas aves se adaptaram a vocalizar durante a madrugada, que é um momento mais
silencioso, onde conseguem se comunicar.
Em 2012, uma pequena cidade do Arkansas nos Estados
Unidos, virou manchete de noticiários quando centenas de Red-winged Blackbirds (Agelaius phoeniceus) foram encontradas mortas
após o réveillon. Fatos semelhantes ocorreram na Louisiana e na Suécia. E o problema se
repete em outras comemorações. Em 2007 pesquisadores registraram que um grande número de aves
marinhas abandonou seus ninhos após as celebrações do dia da independência em
Gualala, EUA. Apesar de muito protesto, os fogos foram proibidos nesta
localidade em 2008.
Existem fortes evidências dos efeitos negativos dos
fogos de artifício, mas ainda é difícil mensurar seus impactos sobre a
avifauna. Não é fácil estudar o comportamento das aves à noite, no escuro. Pesquisadores
holandeses foram muito criativos e contornaram o problema utilizando um radar
meteorológico, que foi adaptado para localizar aves de grande tamanho corporal,
como gansos. Os dados coletados em três réveillons consecutivos demonstraram
que após a meia noite estas aves levantaram vôo, muitas permanecendo em torno
dos 500 metros de altitude (quando o usual é até 100 metros) e a agitação durou
cerca de 45 minutos. Algumas destas aves voaram muitos quilômetros antes de
pousar e descansar.
Outro grande problema para as aves são os gatos
domésticos, que atualmente são reconhecidos, no mundo todo, como uma das maiores ameaças globais à
biodiversidade, e estão entre as 100 piores espécies invasoras do mundo,
segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Apenas nos Estados
Unidos, todos os anos os gatos domésticos são
responsáveis pela morte de aproximadamente 2,4 bilhões de aves.
Em 2010 no Japão, com o
objetivo de diminuir os predadores naturais de uma ave no arquipélago de Ogasawara, que fica ao sul de Tóquio, a população local começou a
adotar os gatos ‘selvagens’ como animais domésticos. E antes de tomar medidas mais drásticas,
como matar os animais, veterinários se reuniram para treinar e adaptá-los à
vida doméstica. O objetivo foi reeducá-los em três meses até eles se
acostumarem à nova realidade.
Nos últimos tempos uma nova
moda está se instalando nas cidades brasileiras, as grandes fachadas e muros de
vidro, principalmente transparentes e espelhados. As aves são incapazes de
detectar esse tipo de obstáculo à sua frente. No caso de vidros espelhados, é impossível para
elas distinguir a diferença entre o que é real e o que é uma imagem refletida.
Somente nos Estados Unidos, cerca de 988 milhões de
aves morrem anualmente vítimas de colisões em janelas, um resultado no mínimo
alarmante. É considerada uma “epidemia silenciosa”, pois muitas destas mortes
passam despercebidas porque é raro um bando de aves chocar contra uma janela/
fachada, ao mesmo tempo. O que geralmente ocorre são colisões individuais ao
longo do ano. Dezenas de aves que morrem em decorrência desse tipo de colisão
não são sequer encontradas porque acabam sendo predadas por gatos, ratos ou
descartadas pelo serviço público de limpeza. Em outros casos, as aves
atordoadas deixam o local seriamente feridas, com lesões como hemorragia
cerebral ou rompimento de órgãos internos, voando mais alguns metros e morrendo
nas proximidades.
As intervenções humanas
afetaram significativamente as espécies de aves que habitam os ecossistemas naturais
brasileiros,
e a resposta a essas alterações varia desde aquelas que se beneficiaram e
aumentaram suas populações (p. ex., bem-te-vi [Pitangus
sulphuratus]), até aquelas que foram extintas da natureza (p. ex., mutum-do-nordeste [Pauxi mitu]) ¹. Espécies de aves típicas de ambientes urbanos são o
pombo‑doméstico (Columba livia) e o
pardal (Passer domesticus), ambas introduzidas no
Brasil durante os séculos XVI e XX, respectivamente. Além dessas, outras são
favorecidas pelos adensamentos urbanos, como o urubu‑de‑cabeça‑preta (Coragyps atratus),
a rolinha‑roxa (Columbina talpacoti),
o beija‑flor‑tesoura (Eupetomena macroura),
a andorinha‑pequena‑de‑casa (Pygochelidon
cyanoleuca), o sabiá‑laranjeira (Turdus rufiventris),
a cambacica (Coereba flaveola) e o sanhaçu‑cinzento (Tangara sayaca).
Em decorrência às mudanças
no ambiente, muitas aves, têm encontrado refúgios para sua sobrevivência em
áreas urbanas como praças, bosques, parques, hortos, cemitérios, que de alguma
forma, mantém um mínimo de arborização ². Algumas espécies podem
interagir de forma negativa com a população humana, transmitindo doenças ou
agravando a saúde do homem ou de outros animais e que estão presentes nos
centros urbanos, no caso das aves, destaca-se o pombo doméstico (C.
livia). Mas na maioria dos casos são os humanos que agem de modo a aumentar
o desequilíbrio ambiental, como nos casos citados acima.
E existem inúmeros outros
casos onde os impactos humanos causam perdas irreparáveis a algumas espécies de
aves, citando rapidamente, o consumo de plástico por aves marinhas que está
levando a queda em massa da população de determinadas espécies, os
envenenamentos em cultivos de grãos, atropelamentos, acúmulo de metais pesados
em aves que se alimentam em locais contaminados, usinas solares que matam
pássaros em pleno voo, além dos mais conhecidos como supressão e fragmentação
dos ambientes, tráfico ilegal, caça, entre outros. A globalização chegou em um
ponto irreversível, onde as consequências são inevitáveis, e os danos muitas
vezes não são sequer considerados por puro egoísmo, visando apenas os lucros. A
vida deixou de ter valor e passou a ter preço.
Como bióloga, creio que estamos em um período de
mudança de paradigmas e de atitudes, onde a conscientização do nosso real papel
na humanidade se faz necessária para compreender todas as formas de vida e
respeitar o seu espaço. Consumo consciente, reciclagem e reuso, são atitudes
que podem ser adotadas como o “primeiro passo”.
O presente ensaio foi
elaborado para a disciplina de Ética no Uso de Animais e Bem-estar Animal tendo
como base as obras:
¹ MARINI,
M. A. & F. I. GARCIA (2005). Conservação de aves no Brasil. Megadiversidade
1: 95-102.
² MENDONÇA-LIMA,
A. e FONTANA, C.S. (2000). Composição, frequência e aspectos biológicos da
Avifauna de Porto Alegre Country Clube, Rio Grande do Sul. Ararajuba, 8(1):1-8.
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