terça-feira, 7 de junho de 2016

Se não tiver mais argumentos, cuspa!


Série Ensaios: Sociobiologia  

Por: Izadora Rafaela S. de Oliveira, Ronald Mateus Bueno Santos, Sayori Nakayama de Castro.


No dia 17 de abril de 2016, durante o processo de Impeachment da Presidente Dilma Roussef, o deputado Jean Wyllys alegou ter sido ofendido com palavras homofóbicas e segurado pelo braço pelo seu colega, o deputado Jair Bolsanaro, o que o fez reagir cuspindo no rosto do colega e sair correndo. As câmeras de televisão registraram o momento, e houve uma grande repercussão na mídia sobre o por que Jean Wyllys teria agido com tal desrespeito e se este ato foi ou não ofensivo e criminoso. Este ensaio tem por objetivo comparar e exemplificar comportamentos que se igualem nos animais e nos seres humanos, focando inteiramente no contexto de agressividade, fazendo referência a grandes filósofos e pesquisadores da área da saúde mental. Buscando enfatizar o entendimento e as semelhanças que possam existir, através do processo evolutivo dos seres, entre o comportamento de cuspir das lhamas e um caso real do ato de um ser humano cuspir em outro.

Neste mesmo contexto, em meio a natureza animal, há o exemplo das Lhamas (Lama glama), um animal ruminante da família Camelidae, são animais de ambiente frios e de altitude elevada. Tanto a lhama quanto a alpaca não são animais agressivos, e utilizam métodos de defesa semelhantes, o cuspe. O cuspe não é o único meio de defesa, mas o principal e é um hábito utilizado para espantar predadores ou quem esteja incomodando, indicação para outros machos quando uma fêmea estiver no cio, as fêmeas também utilizam quando não querem o avanço dos machos e também para educar a cria. O muco viscoso e fétido tem origem tanto na boca quanto no estômago, porém o cuspe com maior repulsa tem origem no estômago, uma vez que as lhamas são herbívoras, e este está no processo de digestão onde liberam ácidos que se misturam com os restos de capins. O ato de regurgitar não é prazeroso para as lhamas e alpacas e logo procuram gramas, folhas verdes, hortelãs e alguns arbustos para retirar o gosto ruim da boca. Quando elas encaram com as orelhas para trás, o cuidado com o olhar nos olhos e ações bruscas evitam outro possível alvo dos cuspes destes camílideos.

Segundo Ribeiro (2016), cuspir em outrem é uma violência direta contra a dignidade, a honra e a personalidade do agredido. Na seara criminal não há artigo de lei que tipifique o ato como crime, mas a doutrina e jurisprudência caracterizam o ato de cuspir em outrem como injúria ou desacato (um dos crimes contra a honra, previsto no artigo 140 do Código Penal). Pode-se afirmar, que o ato de cuspir no rosto de um colega de trabalho agride a honra, a dignidade e a personalidade do agredido e tal fato impede a continuidade do vínculo empregatício, sujeitando o agressor à penalidade de ser dispensado por justa causa.

De acordo com Kristensen et al. (2003), é importante distinguir os termos agressão e violência. Agressão significa disposição para agredir, disposição para o encadeamento de condutas hostis e destrutivas (Ferreira, 1999). Significa ainda ataque à integridade física ou moral de alguém ou ato de hostilidade e provocação (Houaiss, Villar & Franco, 2001). Violência significa a qualidade de violento, qualidade daquele que atua com força ou grande ímpeto, empregando a ação violenta, opressão ou tirania, ou mesmo qualquer força contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. Na busca por uma terminologia mais apropriada, etologistas propuseram uma distinção entre comportamento predatório e comportamento agonístico. Enquanto o primeiro caracteriza situações de ataques entre animais de diferentes espécies – no qual um serve como fonte de alimento para outro – o comportamento agonístico refere-se a situações de lutas e ameaças entre indivíduos da mesma espécie (Lorenz, 1966).

A história da humanidade é repleta de atos considerados violentos e agressivos, já descritos até mesmo na Bíblia e na filosofia clássica. O contexto sócio-histórico faz com que a agressividade e/ou a violência tenham suas formas fenomênicas de expressão alteradas. Assim, pensar um pouco sobre as formas de manifestação do que se denomina violência na atualidade é deparar-se com um espetáculo que pode ser acompanhado, ao vivo, por imagens que refletem o descuido com a dimensão simbólica da vida, exposta pelos meios de comunicação. É deparar-se, ainda, com a peculiaridade de não saber onde esperá-la, embora possa ocorrer a qualquer instante. (Ferrari, 2006).

Para entender os comportamentos agressivos dos seres, temos de diferenciar instinto de reflexo. Um instinto é diferente de um reflexo, que é uma simples resposta dada instantaneamente pelo organismo a algum estímulo, sem o envolvimento de um centro cerebral. Os instintos tornam-se mais complexos à medida que o sistema nervoso de uma espécie também se sofistica. Um exemplo de simplificação é o “instinto da agressão”, que foi descrito por Lorenz (1966) não como um princípio diabólico que tem por finalidade a destruição e a morte, mas como um contribuinte da preservação e organização da vida. Para Lorenz, as funções básicas do comportamento agressivo animal são reguladas pelos instintos de hierarquia, territorialidade e defesa da prole. Eles irão agir, ou serão suprimidos, de acordo com a situação em que o animal se encontra (Kristensen et al., 2003).

Entre os principais modelos biológicos, predominam os conceitos de instintos, impulsos ou forças inatas, predisposições genéticas, luta reflexa, hormônios e mecanismos de neurotransmissão (Tedeschi & Felson, 1994). Historicamente, abordagens biológicas na tentativa de compreender e interferir com a cognição e o comportamento humanos nem sempre foram bem aceitas. Mais recentemente, a etologia ofereceu um quadro de referência importante para o estudo de diversos tipos de comportamento, incluindo o comportamento agressivo. Dentre tantos modelos biológicos para a agressão, o da agressão defensiva parece aquele que mais contribui para uma conceituação útil da violência (Flores & Loreto, 1996). Este tipo de agressão ocorre em resposta à percepção de um perigo, quando atacado por predador ou por co-específico, ou mesmo contra um experimentador em situações de laboratório. Substancial porção da agressão entre os seres humanos parece ser mediada por uma percepção prévia de ameaça ou de agressão por parte de outros (processamento cognitivo). (Kristensen et al., 2003).

Como futuros biólogos podemos identificar, através das características comportamentais e analisando as questões biológicas, psicológicas e etológicas de tais comportamentos, que a atitude do deputado Jean Wyllys de cuspir em seu colega, pode ser entendida como uma tentativa de se defender a algo que lhe causou ameaça. De acordo com Lorenz, que diz que a agressividade remota do instinto de sobrevivência, entende-se que o ato do deputado se baseia em instinto de proteção. Não deve ser descrito como um reflexo, pois diferentemente do instinto, o reflexo não necessita da ação centro cerebral. No caso das lhamas, o mesmo acontece em termos fisiológicos e evolutivos, onde principalmente o cuspe tem característica de proteção, sendo um comportamento instintivo e não reflexivo. Ainda podemos enfatizar sobre um debate feito em aula com outros futuros biólogos, onde foi priorizado que uma pessoa cuspir em outra é uma atitude totalmente impensada e arcaica, onde a pessoa que comete tal ato, não tem a capacidade de argumentar instantaneamente, e age de maneira animalesca. Não deixando de ser um ato defensivo. Toda agressão é cometida por haver uma possível ameaça à integridade ou sobrevivência de qualquer animal.



O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Etologia baseando-se nas obras:

CBN, Jean Wyllys cospe em Jair Bolsanaro após votar. Recuperado de http://cbn.globoradio.globo.com/grandescoberturas/a-guerra-do-impeachment/2016/04/17/JEAN-WYLLYS-COSPE-EM-JAIR-BOLSONARO-APOS-VOTAR.htm em 07/05/2016.
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