terça-feira, 22 de setembro de 2015

Homossexualidade: uma questão cultural ou biológica?

Série Ensaios: Sociobiologia


por  Ana Carolina Franken
Acadêmica do curso de Bacharelado em Ciências Biológicas – PUCPR

            Recentemente, o grupo Boticário, empresa de cosméticos e perfumes brasileira, lançou uma propaganda de Dia dos Namorados cujos protagonistas formam casais homo/heterossexuais. No entanto, seu lançamento gerou extrema polêmica em diversas redes sociais, que além de gerar um alvo de protestos, resultou em ameaças à marca. Não somente alvo de críticas, a propaganda recebeu muitos elogios pela atitude não homofóbica da empresa, igualando assim os gêneros e escolhas sexuais. Surge então a pergunta: quais as causas responsáveis de tamanha indignação para com casais homossexuais, uma vez que esta situação está presente no mundo atual desde a antiguidade?

          
  Nos dias atuais, adota-se a palavra homossexualidade (como condição, modo de ser) ao invés de homossexualismo (dentre as diversas conotações, uma delas é a condição patológica) (Menezes, 2005). Dentro desta classificação, Lacerda et al. (2002), ao tentar desvendar os fatores que sustentam o preconceito com a homossexualidade no Brasil, realizou uma pesquisa com estudantes, classificando-os em três classes de preconceito. O mesmo autor encontrou que, os preconceituosos flagrantes estão mais aderidos a questões ético-morais e religiosas, do que questões psicossociais. Ser homossexual neste contexto pode ser enquadrado como pessoas anormais, doentes ou degenerados (Pontes et al., 2015). Analisando o caso em outro contexto, Wilson (1981), no capítulo “Dilema”, escreve: “A fim de procurar uma nova moralidade baseada numa definição mais fiel ao homem, é necessário olhar para dentro, dissecar a maquinária da mente e traçar novamente sua história evolutiva”. Neste caso, a homossexualidade é o maior exemplo do sofrimento representado pelo tratamento que recebem os indivíduos deste “grupo”, principalmente em relação à santificação da hipótese biológica deste contexto (Wilson, 1981). Contraditoriamente, este comportamento existe em todas as culturas existentes no mundo atual e passado.
        
    Atualmente, duas correntes opostas procuram identificar a origem, ou o “problema” da inversão sexual, podendo ter como origem fenômenos de natureza psíquica, adquiridas ou acidentais; e causas orgânicas, congênitas e constitucionais, relacionadas às glândulas endócrinas, que desempenham papel fundamental na sexualidade humana (Ribeiro, 2010). Sob outra perspectiva, Alves & Tsuneto (2013) ao revisarem os trabalhos que tratam sobre este caso, demonstram haver estudos sob a perspectiva de componentes biológicos ligados à ativação cerebral por feromônios, polimorfismo genético, questões ligadas ao cromossomo X, entre outros. No entanto, esta “condição” depende também de fatores ligados ao ambiente familiar e das primeiras experiências sexuais vividas pela criança (Wilson, 1981), encontrando assim um meio termo entre o lado biológico e o adquirido pelo indivíduo.
            Tratando desta questão em termos de interações sociais, a complexa organização social vivida por animais não humanos parece estar diretamente ligada à sobrevivência física (Gahagan, 1976). Dentre as categorias, uma dela envolve comportamentos associados ao sexo e a reprodução, sendo aquele, portanto, um foco de interação e da estrutura social (Gahagan, 1976). Ainda, segundo o mesmo autor, este comportamento, embora possua componentes comuns no mundo, possui ideias incomuns sobre o comportamento sexual. Tais ideias podem estar associadas a questões culturais, políticas e religiosas. No entanto, em termos de questões biológicas, a homossexualidade não é um fenômeno recente, aparecendo na antiguidade em paralelo à flexibilização comportamental em relação ao sexo, quando este passou a desempenhar funções sociais nos grupos humanos (Forastieri, 2006). Existe então a possibilidade deste comportamento ter evoluído em benefícios relacionados à organização social humana (Wilson, 1981) e não humana. Como exemplo, primatas, cujo grupo é constantemente alvo de exemplos sobre a homossexualidade em animais não humanos, possuem comportamentos distintos entre os grupos do “novo mundo” e do “velho mundo”; no entanto, este grupo não trouxe até o momento revelações acerca das questões homossexuais humanas (Forastieri, 2006). Outro exemplo é a espécie Pan paniscus, o bonobo, cujos comportamentos sexuais mais se assemelham ao de humanos (Menezes, 2005), porém, não possui funções exclusivamente reprodutivas, e sim, funções apaziguadoras e afetivas entre os indivíduos do grupo (Waal, 1997). Logo, conclui-se que a homossexualidade é, além de tudo, uma forma de união, consolidando assim relações afetivas, tendo como origens fatores naturais, acima de tudo (Wilson, 1981).
            Sempre ligado ao contexto social, este comportamento passou a desempenhar diferentes
funções nos grupos, desde ações pacificadoras, como mencionado acima (Forastieri, 2006), cuidado parental em caso de rejeição de filhotes (do UOL, 2014; Redação Super, 1999), controle de natalidade em um contexto “natural”, facilidade do estabelecimento de laços sociais (Bailey & Zuk, 2009), entre outros. No caso ações pacificadoras, este comportamento pode intensificar ou reduzir conflitos e agressões intrassexuais; no sucesso reprodutivo, fornecendo práticas aos jovens, melhorando seu desempenho na corte e busca de um parceiro heterossexual (Bailey & Zuk, 2009). Ainda, na obtenção de prazer, no estabelecimento de hierarquias e no favorecimento em trabalhos em equipe (Judson, 2003 apud Menezes, 2005). Relacionadas ao grupo como um todo, estes indivíduos podem ter impulsionado a procriação de filhotes em casais heterossexuais, no momento em que outras ocupações domésticas lhe foram dadas (Wilson, 1981). Uma hipótese sugerida é a “de seleção por parentesco”, onde o papel de eficiência aos parentes próximos foi beneficiado (Wilson, 1981).   
            Eu, como formanda em biologia, acredito que questões de relevante interesse da população, ligadas a fatores polêmicos ou incontestáveis, devem ser tratadas como uma condição pré-existente no mundo, tendo evoluído por algum motivo específico. Neste contexto, diferentes linhas de estudo procuram entender e compreender as justificativas da homossexualidade na sociedade humana e não humana, deixando de lado, por vezes, o lado biológico e o seu papel na evolução como um todo. Logo, conclui-se que, em paralelo às palavras citadas por Wilson (1981), tão desigual e sádico seria encontrar motivos biológicos para a aceitação deste grupo no contexto social atual, assim como manter a discriminação e o preconceito moral e ético baseados em suposições como “indivíduos biologicamente anormais”.

Este estudo foi elaborado para a disciplina de Etologia II, baseado nas obras:
Alves, E.V. & Tsuneto, L.T. (2013). A orientação homossexual e as investigações acerca da existência de componentes biológicos e genéticos determinantes. Scire Salutis, 3(1), 62-78.
Bailey, N. W., & Zuk, M. (2009). Same-sex sexual behavior and evolution. Trends in Ecology & Evolution, 24(8), 439-446.
Boticário. . Acesso em: 01 set. 2015.
Etologia no dia-a-dia. O que é moral?. Acesso em: 16 set. 2015. Disponível em: http://etologia-no-dia-a-dia.blogspot.com.br/2011/05/o-que-e-moral.html.
Forastieri, V. (2006). Orientações sexuais, evolução e genética. Candombá, 2(1), 50-60.
G1. Propaganda de O Boticário com gays gera polêmica e chega ao Conar. http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/06/comercial-de-o-boticario-com-casais-gays-gera-polemica-e-chega-ao-conar.html. Acesso em: 01 set. 2015.
Gahagan, J. (1976). Comportamento interpessoal e de grupo. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 180p. 
InfoEscola. Feromônios. Disponível em:  http://www.infoescola.com/bioquimica/feromonios/. Acesso em: 02 set. 2015.
Judson, O. (2003). Consultório sexual da Dra. Tatiana para toda a criação. São Paulo: Imago.
Lacerda, M.; Pereira, C. & Camino, L. (2002). Um Estudo sobre as Formas de Preconceito contra Homossexuais na Perspectiva das Representações Sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(1), 165-178.
Menezes, B. A. (2005). Análise da investigação dos determinantes do comportamento homossexual humano. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Pará, 340p.
Pontes, M.F.; Féres-Carneiro, T. & Magalhães, A.S. (2015). Famílias homoparentais e maternidade biológica. Psicologia & Sociedade, 27(1), 189-198.
Ribeiro, L. (2010). Ciência, homossexualismo e endrocrinologia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(3), 489-511.
So Biologia. As glândulas endócrinas humanas. Disponível em:  http://www.sobiologia.com.br/conteudos/FisiologiaAnimal/hormonio2.php. Acesso em: 02 set. 2015.
Super Interessante. Atração entre iguais: Biólogo americano sacode a Zoologia e revela que existe homossexualismo e vasta diversidade de comportamentos sexuais entre os bichos. Eles vão muito além da tradicional união de macho com fêmea. Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/atracao-entre-iguais. Acesso em: 02 set. 2015.
UOL. Pinguins gays adotam filhote rejeitado e viram "pais do ano" em zoo. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/05/14/casal-de-pinguins-gays-adota-filhote-rejeitado-no-reino-unido.htm#fotoNav=6. Acesso em: 02 set. 2015.
UOL Educação. Cuidado parental: Como as diferentes espécies cuidam de seus filhotes. Disponível em:  http://educacao.uol.com.br/disciplinas/ciencias/cuidado-parental-como-as-diferentes-especies-cuidam-de-seus-filhotes.htm. Acesso em: 02 set. 2015.
Wikipedia. Homossexualidade. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade. Acesso em: 02 set. 2015.
Wikipedia. Anormalidade. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Anormalidade. Acesso em: 02 set. 2015.
Wikipedia. Platyrrhini. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Platyrrhini. Acesso em: 02 set. 2015. 
Wikipedia. Catarrhini. Disponível em:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Catarrhini. Acesso em: 02 set. 2015. 
Wilson, E.O. (1981). Da natureza humana. São Paulo: T.A. Queiroz: Ed. Da Universidade de São Paulo, v.6, 263p.
Youtube. Dia dos Namorados. http://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI. Acesso em: 01 set. 2015.


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