Série
Ensaios: Sociobiologia
Por
Francys da Costa, Nathália Celli e Vivian Telli
Acadêmicas
do curso de Ciências Biológicas
Lei
de incentivo ao voluntário gera polêmica em Santo Anastácio, trata de um projeto aprovado pela
Câmara Municipal de Santo Anastácio em que as pessoas que fizerem atividades
voluntárias na cidade durante seis meses e no mínimo 30 horas receberão um
certificado, sendo que este poderá ser usado pela prefeitura em desempates de
concursos públicos realizados na cidade. O objetivo do projeto é de incentivar
a população a realizar o trabalho não remunerado que é desenvolvido por vontade
própria. Mas isso não seria um caso de “altruísmo forçado”? Será que um
trabalho recompensado pode ser chamado de voluntário? Segundo Marcelo Cezário,
“quem tem o espírito altruísta e quem quer de fato servir ao próximo, não
precisa de medalha, diploma ou certificado, a pessoa vai e faz”.
O
tratamento das pessoas que estão à volta e a empatia são dois dos principais comportamentos
sociais, que estão associados com a natureza humana, componentes
somáticos, sistema sensorial, personalidade, autoestima, caráter, sentimentos e
aprendizado. Esses comportamentos, quando positivos e sem interesse, sem
recompensas, são chamados de altruístas. Comportamento social por sua vez está
relacionado à formação
de grupo, ou seja, uma sociedade envolvendo o espírito de grupo,
o desenvolvimento da coesão, a flexibilização e distribuição de papéis, as
estruturas de suporte ao desenvolvimento das tarefas de grupo, a ansiedade, a
tristeza e a resolução de conflitos.
O
altruísmo, ou a filantropia, é
uma das bases de várias doutrinas religiosas, como o Cristianismo,
por exemplo. Praticar o altruísmo é ter uma atitude de amor ao próximo, pois a
pessoa altruísta pensa nos outros antes de pensar em si própria, sem o objetivo
de receber algum benefício em troca. Porém, existe também o altruísmo
recíproco, em que uma pessoa ajuda a outra sabendo que no futuro
essa pessoa poderá estar em condições para retribuir o favor.
O
termo altruísmo foi criado pelos pensadores positivistas do século XIX. Em
1852, Auguste
Comte criou a definição fundamental: viver para os outros. Em
seus estudos sobre a sociedade apontava a necessidade e a utilidade da
comparação entre o comportamento dos seres humanos com o dos animais
primitivos, pois para ele os comportamentos humanos altruístas e solidários já
se faziam presentes desde tempos primitivos. À partir de seus estudos, Émile Durkheim
desenvolveu a tese de que a verdadeira função da divisão do trabalho é criar
entre as pessoas um sentimento de solidariedade, pois as pessoas são ligadas
umas às outras e, ao invés de se desenvolverem separadamente, elas cooperam
entre si para o bem de todos.
O
primeiro autor a lidar com a cooperação foi Chester Barnard, em
1938, definindo as organizações como sistemas cooperativos entre as pessoas.
Através desses estudos, Simon
(1990) demonstrou que o altruísmo pode surgir em populações caracterizadas pela
racionalidade limitada e pela docilidade, tendo assim a dependência do
indivíduo de sugestões, recomendações, persuasão e informação obtidas através de
canais sociais como principal fundamento de suas escolhas. Em 1982 o altruísmo
foi considerado por Margolis como um senso de responsabilidade social, já
Simon, em 1993, disse que o altruísmo era um conceito difícil de ser
compreendido. Velamuri, em 2001, definiu altruísmo como a renúncia de bem estar
pessoal em benefício de outros. Em 2002, Okasha
disse que o conceito darwiniano de altruísmo estava associado com o sacrifício
próprio que, apesar de prejudicial do ponto de vista do indivíduo dentro de um
grupo, pode ser razoável sob a perspectiva de competição entre diferentes
grupos. Para Hu e Liu (2003), conforme a dimensão comportamental, é comumente
visto como um ato em que a pessoa disponibiliza bens ou serviços a uma outra
sem solicitar uma forma de compensação. Em 2004, Khalil definiu altruísmo como
caridade.
Em
1964, Hamilton
estabeleceu a teoria da seleção familiar, ou da adaptação inclusiva, em que o
gene altruísta reduziria a adaptação de um indivíduo em particular, mas
aumentaria a adaptação de seus parentes. Este comportamento e o processo de
seleção natural fariam com que o gene do altruísmo fosse disseminado,
aumentando a probabilidade de um comportamento altruísta nas futuras gerações.
A teoria do altruísmo recíproco foi desenvolvida por Trivers, em
1971, que buscava explicações para evidências de comportamento altruísta entre
membros que não pertencem à mesma família. Nas últimas décadas, trabalhos
empíricos e teóricos na biologia evolucionária produziram explicações coerentes
do comportamento social (Tullberg e Tullberg, 1996).
Os
comportamentos altruístas podem ser conscientes, como o de exercer atividades
voluntárias, ou subconscientes, como cortesias trocadas por membros de uma sociedade
(segurar a porta por exemplo). Na pesquisa: Voluntariar
por altruísmo eleva expectativa de vida, analisaram dados de 10 mil
pessoas com idade média de 69 anos indicou que um indivíduo que exerce trabalho
voluntário pode aumentar em até quatro anos sua expectativa de vida,
desde que as razões para a ação sejam o benefício do outro, e não de si mesmo.
As razões para essa longevidade seriam fisiológicas, combatendo o estresse, e
sociais, dando sensação de bem-estar. Na
pesquisa Altruísmo
pode ter raízes práticas mas subconscientes, verificou-se que os
comportamentos subconscientes indicariam uma maneira de poupar esforços de
outras pessoas. Quando uma pessoa passa por uma porta e outra pessoa vem atrás,
a primeira segura a porta até a segunda passar, enquanto a segunda acelera o
passo para diminuir o tempo de espera da primeira pessoa.
No
estudo Crianças
são mais altruístas e justas do que adultos,
feito nos Estados Unidos com 47 bebês de 15 semanas mostrou que eles podem se
igualar ou superar os adultos na questão de altruísmo e justiça, nesse estudo
foram feitos dois experimentos, no primeiro foram mostrados dois vídeos para os
bebês e seus pais, um em que houve distribuição igual de comida e outro em que
houve distribuição desigual. Notou-se que o segundo vídeo deixou os bebês
surpresos, chamando mais atenção deles, sendo esse fator chamado de “violação
de expectativa”. No segundo experimento foram dados dois brinquedos Lego aos bebês, sendo
considerado o preferido o brinquedo escolhido para brincar. Em seguida um
pesquisador pediu um brinquedo aos bebês, sendo que um terço das crianças deu o
seu brinquedo preferido. Desse um terço, 92% dos bebês havia prestado mais
atenção ao vídeo de distribuição desigual de comida. Com esse estudo podemos
perceber que as crianças já nascem com um espírito altruísta, o que é muito
bom, pois não é um comportamento que precise ser ensinado pelos pais, apenas
aperfeiçoado ao longo da vida.
Altruísmo
pode ser 'sexualmente atraente', diz pesquisa através de
perguntas sobre o tipo de qualidade que procuram em um parceiro incluindo
exemplos de comportamento altruísta, feitas por pesquisadores da Inglaterra com
mais de mil pessoas, concluiu-se que o altruísmo pode ser “sexualmente atraente”,
sendo que as mulheres dão mais importância a essas características do que os
homens.
Ao
longo de nossa história evolutiva, houve uma pressão para o desenvolvimento de
normas de convivência, já que nossos ancestrais viviam agrupados, para evitar a
exploração por indivíduos que não retribuíam a generosidade de outros
indivíduos. A cooperação com parentes implica em custos para os indivíduos que
a apresentavam, mas traz benefícios genéticos pela transmissão dos genes do
indivíduo altruísta para a geração seguinte. O altruísmo recíproco ocorre
quando um indivíduo coopera com outro esperando uma retribuição. E a reciprocidade
indireta, ocorre mesmo na ausência de parentesco e da possibilidade de receber
uma retribuição, sendo mantida pelo impacto que a ajuda ou a recusa em ajudar
alguém têm na reputação desse indivíduo no grupo ao qual pertence. A prática
contínua, desde nossos ancestrais, de altruísmo recíproco e reciprocidade
indireta deixou marcas na mente humana que favorecem respostas emocionais.
Mas
nem sempre o altruísmo é bem visto. Quando um funcionário de uma empresa possui
um comportamento altruísta, o restante do grupo o vê como a “maçã podre”,
fazendo o que ninguém mais quer fazer, sempre disposto a ajudar e ensinar,
mesmo não sendo sua obrigação. Isso pode causar um desequilíbrio no grupo, pois
os outros acabam sendo mal vistos no trabalho por não terem as mesmas atitudes,
como mostra a pesquisa: Funcionários
altruístas tendem a ser rejeitados pelo grupo.
O
comportamento altruísta não é apenas observado em humanos, sendo muito comum
também entre os animais, como mostra a reportagem: O
altruísmo e a bondade dos animais. Diversas histórias são
conhecidas, como do cão
que salvou a vida do dono em um incêndio, outro que permaneceu
por horas ao lado do corpo de sua amiga atropelada,
esperando ajuda, o gato tentando acordar o outro gato que estava morto (vídeo 02), o
papagaio
que acordava a dona com apneia obstrutiva quando ela parava de
respirar, entre outros. Uma
pesquisa feita com chimpanzés fêmeas mostrou que, quando
dadas a elas duas fichas com cores diferentes, sendo uma para receber uma
recompensa para ser compartilhada com seu companheiro e outra por um prêmio só
para elas, principalmente quando os machos estavam pacientes elas escolhiam a
primeira opção. Já quando os machos estavam impacientes, cuspindo água nelas ou
pedindo recompensa por exemplo, escolhiam a segunda opção, ficando com a
recompensa só para elas. Isso mostra que seu altruísmo era espontâneo, e não
fruto de intimidação.
Com bases nas informações acima, nós futuras
biólogas concluímos que o altruísmo é compartilhado por diversas espécies
animais, inclusive humanos, herdado com o passar do tempo, mesmo não
representando uma “boa” característica evolutiva, pois coloca em risco a
própria sobrevivência por outro indivíduo, ato que contraria a “teoria
da seleção natural”, variando para a “teoria
da seleção de parentesco”, que dá chance de sobrevivência de
cópias de si mesmo presentes em outros indivíduos, beneficiando o grupo,
comportamento este mais efetivo entre parentes próximos. Podemos considerar
então o altruísmo como um instinto, pois é resposta a uma determinada situação de
outro indivíduo, ou seja, quando sentimos a necessidade de ajudar ou realizar
uma boa ação automaticamente, mesmo que a desconhecidos ou entre espécies
diferentes.
Vídeo
01 – Altruísmo
entre humanos
Vídeo
02 – Gato
tentando fazer o amigo voltar à vida
Vídeo
03 – Cachorro
desesperado tenta ajudar a amiga
Vídeo
04 – Como
evoluiu o altruísmo?
O
presente ensaio foi elaborado para disciplina de Etologia baseado nas seguintes
obras:
Alves, M. A. et al. O
Altruísmo nas Organizações: Interação e Seleção Natural. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2004/artigos/A04A093.pdf
Monteiro,
P. P. Altruísmo recíproco. 2013. Disponível em: http://pedronotempo.blogspot.com.br/2013/03/altruismo-reciproco.html
Moraes,
T. P. B. de. Altruísmo como uma via evolutivamente sustentável. Ume revisão
sobre a evolução do altruísmo. RIDB. Ano 2 (2013), n.14. Disponível em: http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_14_17281_17305.pdf
Yamamoto,
M. E. Homo moralis, Um primata cooperativo. 2006. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/atividades/textos/texto_322.html
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