Durante a XV Biocec eu, a
Flávia Amend, Lays Parolin e Roseli Silvério, ministramos mais um curso que
visa a capacitação e aprimoramento de profissionais interessados em atuar na
área ética animal contribuindo significiativamente para mudança de paradigmas
no uso de animais para as diferentes finalidades pela sociedade. Desta vez,
nossa preocupação foi refletir sobre as questões éticas envolvidas no
confinamento de animais selvagens para pesquisa, comércio e conservação, para
tal aprofundamento a temática relacionadas aos parâmetros fundamentais que
devem ser considerados nos criadouros científicos, comerciais e
conservacionistas.
Quando se trata da manutenção de animais silvestres em
cativeiro, sempre há uma polêmica. “Por que tirar os animais de vida livre de
seu hábitat? Por que privar de sua liberdade?” As razões e justificativas são
várias, entretanto, no caso de estudos científicos que visem a conservação da
natureza, ou seja, pesquisas que busquem responder perguntas e traçar metas em
prol da conservação de espécies da flora e fauna, a coisa muda de figura. Ou
não muda? Os fins justificam os meios? Aqueles animais retirados das florestas,
campos, rio e mares tiveram a escolha de sair? Eles gostariam de estar servindo
em prol deste “bem maior”? Provavelmente não. Mas então o que fazer? Cessar as
pesquisas? Mas e os projetos de reprodução e reintrodução de espécies
ameaçadas? Iniciativas, como a bem conhecida do mico-leão-dourado, não seriam possíveis
com ajuda de algumas matrizes da natureza. Tantos projetos nesta mesma
linha necessitaram tirar alguns indivíduos do seu hábitat para estudar sua
ecologia e comportamento, para assim poder contribuir para a conservação da
espécie, conservação ou até mesmo recuperação de áreas degradadas.
Nesses casos a manutenção em cativeiro pode ser considerada justificável.
Entretanto, estes animais cativos devem possuir condições de bem-estar nestes
recintos científicos, tendo garantidas as suas 5 liberdades.
Alguns destes itens parecem um tanto óbvios e fáceis de conquistar, entretanto,
alguns deles retornam em forma de perguntas: “Mas como saber se um animal
silvestre está tendo seu comportamento normal, se não conheço este
comportamento? Como saber se está com medo ou estresse?” Observações in situ podem
sim fornecer informações valiosas, mas estas nem sempre são possíveis ou
fornecem todas as informações necessárias. É um ciclo, pois para proteger e
conservar, é preciso conhecer. O cativeiro não é a única forma, mas sim uma
delas, trazendo uma ferramenta importante para a proteção da fauna e flora.
Os
primeiros zoológicos
instituídos serviam basicamente para manter uma exposição de animais e promover
lazer humano. Não havia a mínima preocupação com o bem-estar dos animais
mantidos ali. A partir do século XX, com o aumento do conhecimento sobre a vida
dos animais na natureza foi verificada a necessidade de mudanças.
Gradativamente os recintos antigos foram sendo substituídos por recintos
naturalísticos, que tentavam simular o ambiente natural das espécies. Inicia a
preocupação com o bem-estar
dos animais. Em conjunto com as mudanças na estrutura dos recintos, os zoos
passaram a ter outros objetivos: educação ambiental, pesquisa
científica e conservação
das espécies. Isto porque apesar de algumas espécies mantidas em zoos terem
melhores condições de saúde e maior longevidade e sucesso reprodutivo do que
seus co-específicos na natureza, de maneira geral os animais mantidos em zoos
exibem comportamentos
anormais, os quais frequentemente estão relacionados ao estresse
e indicam baixo grau de bem-estar animal. O que compromete os objetivos dos
zoológicos, especialmente a conservação. Daí vem a necessidade de se praticar o
bem-estar animal como uma ferramenta para mensurar e minimizar os efeitos
nocivos do cativeiro. O grau de bem-estar animal pode ser mensurado,
basicamente, através das condições de saúde do animal; presença de
comportamentos anormais e indícios de estresse. Através da observação do comportamento
animal podemos estimar a respeito destes fatores e verificar a eficácia das
técnicas aplicadas para melhorar as condições de bem-estar animal. Além disso, atualmente se tem utilizado
métodos não invasivos para monitoramento
hormonal. Vários produtos têm sido utilizados para se obter amostras e
dentre eles o uso de fezes têm se mostrado bastante eficiente devido a ausência
total de estresse para sua obtenção. Após
estimar o grau de bem-estar deve-se elaborar formas para melhorar as condições
do animal. O enriquecimento
ambiental é uma técnica amplamente utilizada para melhorar a qualidade de
vida de animais em cativeiro, pois promove alterações no recinto que aumentam
as possibilidades de exploração e comportamentos naturais além da redução de
estereotipias e dos níveis de hormônios relacionados ao estresse.
Dentre
os três tipos de confinamento o criadouro comercial é o mais polêmico, pois
comercializar animais selvagens ou exóticos como pet transcende a compreensão dos
motivos que levam as pessoas a quererem ter pet não convencional como animal de
estimação. Segundo os defensores dos criadouros comerciais, eles são
alternativas para conter uma necessidade que é inerente à natureza humana –
desde os índios a pratica de se apropriar de animais nativos é desejada e traz satisfação
para o homem. Ao oferecer animais criados para essa finalidade, haveria uma
coibição da aquisição de animais através do comércio ilegal e essa seria uma
forma de conter o tráfico de animais. Para que a manutenção de animais de
estimação possa ser considerada, ela deve estar em consonância com os
princípios éticos e os interesses das partes envolvidas com mútuos benefícios e
havendo respeito entre os limites e as necessidades de cada animal, bem como os
limites, aspirações e recursos da pessoa que queira mantê-lo sobre sua posse.
Há ainda, que se pensar a domesticação sob ponto de vista do homem. É
praticamente impossível emitir um laudo de sanidade para muitos animais, em
função da falta e mesmo inexistência de meios diagnósticos suficientes. Alguns
animais podem, por exemplo, ser portadores de raiva em fase de incubação, não
detectável pelos meios diagnósticos disponíveis. A manutenção de serpentes
peçonhentas em casa, em geral exóticas, oferece o risco de picadas para as
quais não existe soro específico em nosso meio, o que acarretará morte
inevitável do acidentado. Aranhas caranguejeiras podem ser responsáveis por
processos alérgicos graves. Um único pêlo inalado pode levar ao choque
anafilático. Outro risco é o da leptospirose, já tendo sido encontrado um bugio
portador desta doença. Certamente muitas outras doenças ainda pouco conhecidas podem
ser transmitidas por animais silvestres.
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