quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Até onde vai o amor ao filhote? Você é a favor ou contra o Estatuto do Nascituro?



Série Ensaios: Sociobiologia

Por Amanda Lopes, Joana Valdameri, Vanessa de Oliveira Amaral.

Acadêmicas do Curso de Ciências Biológicas

“Em alguns Estados do Brasil, pessoas têm se reunido para protestar contra o Estatuto do Nascituro. Em São Paulo cerca de 200 pessoas (na maioria mulheres) participaram de um protesto contra o que elas chamam de “bolsa estupro” que prevê, entre outras coisas: pagamento de pensão alimentícia por parte do estuprador a criança gerada em caso de violência sexual, porém não retira do Código Penal o artigo que autoriza a interrupção da gestação em caso de estupro e em situações que a gestação coloca em risco a vida da mãe. O projeto é um meio de estimular as vítimas a ficarem com os bebês caso fiquem grávidas. O texto prevê penalização de três anos de detenção pra quem causar intencionalmente a morte do nascituro.”

Em 2013, a retomada de um projeto de lei de 2007, nos fez pensar em algumas questões éticas. O Estatuto do Nascituro vem como uma alternativa ao aborto em situações de gravidez decorrente de estupro, em que seria dada a mulher agredida um subsídio para a criação da criança e, caso o estuprador seja identificado, este ficará responsável por uma pensão alimentícia até seu/sua filho/a completar a maioridade. Também, dá à criança o direito prioritário a adoção, caso a mãe não queira assumir o filho após o nascimento. Mas, isto é certo? Dar uma ‘opção’ para a mãe ser apenas uma incubadora sem pensar nos traumas passados por ela? Ou ainda, financiar um fruto de um ato abominável. Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que ocorrem cerca de 87 milhões de casos de gestação não programada no planeta e que entre 46 e 55 milhões dessas gestações resultam em abortos. No mundo um aborto ocorre a cada 24 segundos, 78% dos casos em países em desenvolvimento e o níveis de mortalidade materna atribuídos a aborto chega a cerca de 13% por ano. Segundo a ONU, 200.000 brasileiras morrem em abortos clandestinos anualmente. Dados alarmantes sugerem que uma em cada cinco mulheres será vítima de estupro ou tentativa de estupro ao longo da vida. No Brasil a cada 12 segundos uma mulher é estuprada. Somente esse ano já foram registrados mais de 6.500 casos de estupros apenas no Estado de São Paulo.
     
       Para compreendermos o fato precisamos definir alguns pontos. O comportamento social em humanos surge a partir do advento da agricultura, a qual permitiu que o ser humano fixasse moradia propiciando a formação de grupos. As estratégias reprodutivas adotadas por cada grupo determinam de quem será o maior gasto energético no cuidado com a prole. Nos grupos em que os machos formam harém é comum as fêmeas reabsorverem o feto ou abortarem quando outro macho assume o poder, isso porque o novo macho alfa não criará os filhos do macho destituído e para as fêmeas quanto antes copularem com o novo alfa mais chances seus filhotes tem de se desenvolver.  Os pesquisadores Thornill e Palmer (2000) consideram que o estupro é um viés da sexualidade masculina. Servindo de estratégia reprodutiva por parte dos hominídeos que não conseguiam fêmeas para procriar.  Segundo os autores, existem duas teorias para enquadrar o estupro dentro da teoria da evolução. A primeira seria favorecida pela seleção natural, uma vez que seria disseminando uma quantidade maior de genes através do estupro.  Comportamento esse que pode ser observado na mosca-escorpião, que possui uma estrutura em formato de pinça que permite prender a fêmea e força-la a copular.  A segunda hipótese é que estuprar é um desdobramento da sexualidade masculina, como o desejo por múltiplas parceiras e o uso da violência para atingir seus objetivos.  Para eles, uma das comprovações dessa teoria seria que a maioria das vitimas de estupro são mulheres em idade reprodutiva, sendo que o caso de violência sexual contra mulheres mais velhas e crianças seria considerado más adaptações.

O sucesso de um indivíduo, biologicamente falando, não é o quão bem sucedido ele é financeiramente ou profissionalmente, mas sim o quão bem sucedido ele foi reprodutivamente, ou seja, ter um filhote é ter seus genes presentes na próxima geração.  Para isso o individuo precisa assegurar a sobrevivência de seus descendentes, exibindo um repertório de comportamentos chamado cuidado parental.  Estes comportamentos podem ser exibidos pelo pai (como nos cavalos­­ marinhos que carregam os ovos em uma bolsa no abdome), biparental (como nas aves, em sua grande maioria) ou pela mãe, que têm uma parcela significativa no reino animal. Entre os mamíferos, a mãe carrega um papel fundamental no desenvolvimento, ao dar de alimento o leite materno, cuja função para o sistema imune é insubstituível. No entanto, o cuidado com a prole pode diminuir a capacidade dos pais de investir em outros filhotes (Trivers, 1972). Casos de rejeição ao filhote são frequentemente observados na natureza (Bussab, 2002). Caso a mãe receba algum sinal que o filho não chegará a uma idade avançada, não gasta esforços em criá-lo. Foi o caso do urso Knut, que foi rejeitado pela mãe e acabou morrendo um ano após seu nascimento devido a uma desordem cerebral. O aborto também é uma estratégia reprodutiva, visto em camundongos em cativeiro e babuínos na natureza. Foi observado que as fêmeas que estavam grávidas, quando um novo macho entrava em seu grupo, abortavam os fetos do macho anterior e engravidavam do novo, numa tentativa de impedir o infanticídio (já que os fetos anteriores não possuíam genes do novo macho). Na espécie humana, gestações resultantes de violência sexual sofrem grande pressão social para serem interrompidas, muitas vezes marginalizando ou punindo a vítima que opta por não interromper. Do ponto de vista de quem decide interromper, pode ser atribuído a essa escolha o trauma sofrido ou inconscientemente não perpetuar genes de indivíduos desfavoráveis. 


Um estudo realizado com cinco mulheres vítimas de estupro apontou que os maiores receios das mulheres violentadas são: medo de ter adquirido o vírus HIV; de reencontrarem o estuprador; de sair de casa; de ficar sozinha e de contar o fato aos familiares e parceiro. O resultado de uma gravidez não apareceu entre os maiores medos, mas também foi discutido, principalmente por uma das entrevistadas, que é casada e não sabia como contar para o marido caso o exame desse positivo. Eles também perceberam que a natureza do estuprador e o ambiente onde ocorreu a agressão foram totalmente diferentes, comprovando que para uma barbárie dessas acontecer não tem hora nem lugar “apropriado”.
Nós formandas em Biologia acreditamos que para a mulher que é estuprada, ter ou não um filho fruto deste ato é uma questão que apenas ela pode decidir. Não bastante ter de gerar um fruto do estupro, muitas mulheres adquirem também DSTs, são culpabilizadas, e tem seus relacionamentos abalados. O governo apoiar um processo que a mãe mantenha a gestação e o estuprador pague pensão pode ser considerado algo totalmente humilhante para a mulher violentada. Como encarar a pessoa que te forçou, muitas vezes se utilizando de uma arma, para fazer algo que você não queria? Esse algo, que é pra ser o símbolo da união de um casal, que envolve afeto e amor, e que, quando ambos quiserem, gerará descendentes. E as mulheres que já são casadas, como chegar para o seu parceiro e dizer que foi estuprada, que adquiriu alguma doença ou que está grávida? Como o governo pode dizer que “se” a mulher quiser gerar o filho ela pode, e ainda por cima o estuprador pagará a pensão? Não é tão fácil criticar uma mulher que opta pelo aborto, só ela sabe a dor que passou pela humilhação, quanto receio ela pode sentir em confiar em alguém de novo, ter vontade e coragem de sair de casa. Apenas ela sabe a força que ela tem que fazer todos os dias para continuar a vida. Sim, o feto não terá seu desenvolvimento uterino completo, não se tornando uma criança. Mas até que ponto uma vida em potencial é mais importante que uma vida já estabelecida?

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de etologia tendo como base as obras:
CIÊNCIA HOJE.  Por dentro das células. Os Segredos do cavalo-marinho. Disponível em: Acesso em 13 de Setembro de 2013.
DREZETT, J. . Violência sexual contra a mulher e impacto sobre a saúde sexual e reprodutiva. Revista de Psicologia da UNESP, 2(1), 2003.

EDUCAÇÃO UOL. Disciplinas. Cuidado parental, como as diferentes espécies cuidam de seus filhotes. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/ciencias/cuidado-parental-como-as-diferentes-especies-cuidam-de-seus-filhotes.html. Acesso em 13 de Setembro de 2013.
ESTATUTO DO NASCITURO. Disponível em: http://www.camara.gov.br/prposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=443584 . Acesso em 07 de Agosto de 2013.

G1 RIO GRANDE DO SUL. Ato contra o Estatuto do nascituro reúne manisfestantes em Porto Alegre. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/06/ato-contra-estatuto-do-nascituro-reune-manifestantes-em-porto-alegre.html. Acesso em 07 de Agosto de 2013.
INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Origem do Comportamento Social Humano Moderno. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias-anteriores/23046-a-origem-do-comportamento-social-humano-moderno. Acesso em 13 de Setembro de 2013.
MANFROI, E. C.; MACARINI, S. M.; VIEIRA,  M. L. Comportamento parental e o papel do pai no desenvolvimento infantil. Rev. Bras. Cresc. e Desenv. Hum. 2011; 21(1): 59-69. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v21n1/07pdf. Acesso em 13 de Setembro de 2013.

NOTÍCIAS TERRA. Pessoas protestam contra o Estatuto do nascituro. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/sp-cerca-de-200-pessoas-protestam-contra-estatuto-do-nascituro,1edaba5d7194f319VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em 07 de Agosto de 2013.
PELANDA, A. M.; UTUMI, P. H.; AFORNALI, P. Amor ao Filhote – O que pode levar os pais a arriscarem a vida pelos filhos. Disponível em:    Acesso em: 13 de Setembro de 2013.
REVISTA SUPER ABRIL. Estupro. Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/estupro-445003.shtml.  Acesso em 13 de Setembro de 2013.
ROSA, B.; MORO, C.; CECCON, D. AMOR PELO FILHOTE - Diversos mecanismos de cuidados. Disponível em: Acesso em 13 de Setembro de 2013.
SOUTO, A.; GIRARDI, F.; FLORENTINO, M. Amor pelo filhote: Sentimento ou estratégia evolutiva?. Disponível em: Acesso em 13 de setembro de 2013.
SUDÁRIO, S., ALMEIDA, P.C. & JORGE, M.S.B. Mulheres vítimas de estupro: contexto e enfrentamento dessa realidade. Psicologia & Sociedade, 17 (3), 73-79; set/dez: 2005. http://www.scielo.br/pdf/psoc/v17n3/a12v17n3. Acesso em 29 de agosto de 2013.
TRIVERS, R. L.  Parental investment and sexual selection. In B. Campbell (Ed.), Sexual selection and the descent of man: 1871–1971 (pp. 136–179). Chicago: Aldine, 1972

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