Série Ensaios: Sociobiologia
Por Amanda Lopes, Joana
Valdameri, Vanessa de Oliveira Amaral.
Acadêmicas do Curso de Ciências
Biológicas
“Em alguns Estados do Brasil, pessoas têm se reunido para protestar contra o Estatuto do
Nascituro. Em São Paulo cerca de 200 pessoas (na maioria mulheres) participaram de um
protesto contra o que elas chamam de “bolsa estupro” que prevê, entre outras
coisas: pagamento de pensão alimentícia por parte do estuprador a criança
gerada em caso de violência sexual, porém não retira do Código Penal o artigo
que autoriza a interrupção da gestação em caso de estupro e em situações que a
gestação coloca em risco a vida da mãe. O projeto é um meio de estimular as
vítimas a ficarem com os bebês caso fiquem grávidas. O texto prevê penalização
de três anos de detenção pra quem causar intencionalmente a morte do
nascituro.”
Em
2013, a retomada de um projeto de lei de 2007, nos fez pensar em algumas
questões éticas. O Estatuto do Nascituro vem como uma alternativa ao aborto em
situações de gravidez decorrente de estupro, em que seria dada a mulher
agredida um subsídio para a criação da criança e, caso o estuprador seja identificado,
este ficará responsável por uma pensão alimentícia até seu/sua filho/a
completar a maioridade. Também, dá à criança o direito prioritário a adoção,
caso a mãe não queira assumir o filho após o nascimento. Mas, isto é certo? Dar
uma ‘opção’ para a mãe ser apenas uma incubadora sem pensar nos traumas
passados por ela? Ou ainda, financiar um fruto de um ato abominável. Estimativas
da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que ocorrem cerca de 87 milhões de casos de gestação não
programada no planeta e que entre 46 e 55 milhões dessas gestações resultam em
abortos. No mundo um aborto ocorre a cada 24 segundos, 78% dos casos em países
em desenvolvimento e o níveis de mortalidade materna atribuídos a aborto chega
a cerca de 13% por ano. Segundo a ONU, 200.000
brasileiras morrem em abortos clandestinos anualmente. Dados alarmantes sugerem
que uma em cada cinco mulheres será
vítima de estupro ou tentativa de estupro ao longo da vida. No Brasil a
cada 12 segundos uma mulher é
estuprada. Somente esse ano já foram registrados mais de 6.500 casos de estupros apenas no Estado de São Paulo.
O sucesso de um indivíduo,
biologicamente falando, não é o quão bem sucedido ele é financeiramente ou
profissionalmente, mas sim o quão bem sucedido ele foi reprodutivamente, ou
seja, ter um filhote é ter seus genes presentes na próxima geração. Para isso o individuo precisa assegurar a
sobrevivência de seus descendentes, exibindo um repertório de comportamentos
chamado cuidado parental.
Estes comportamentos podem ser exibidos pelo pai (como nos cavalos marinhos que carregam os ovos em uma bolsa no
abdome), biparental (como nas aves, em sua grande
maioria) ou pela mãe, que têm uma parcela significativa no reino animal. Entre os
mamíferos, a mãe carrega um papel fundamental no desenvolvimento, ao dar de
alimento o leite materno, cuja
função para o sistema imune é insubstituível. No entanto, o cuidado com a prole
pode diminuir a capacidade dos pais de investir em outros filhotes (Trivers,
1972). Casos de rejeição ao filhote são frequentemente observados na natureza
(Bussab, 2002). Caso a mãe receba algum sinal que o filho não chegará a uma
idade avançada, não gasta esforços em criá-lo. Foi o caso do urso Knut, que foi rejeitado pela mãe e acabou
morrendo um ano após seu nascimento devido a uma desordem cerebral. O aborto
também é uma estratégia reprodutiva, visto em camundongos em cativeiro e
babuínos na natureza. Foi observado que as fêmeas que estavam grávidas, quando
um novo macho entrava em seu grupo, abortavam os fetos do macho anterior e
engravidavam do novo, numa tentativa de impedir o infanticídio (já que os fetos anteriores não possuíam genes do novo
macho). Na espécie humana, gestações resultantes de violência sexual sofrem
grande pressão social para serem interrompidas, muitas vezes marginalizando ou
punindo a vítima que opta por não interromper. Do ponto de vista de quem decide
interromper, pode ser atribuído a essa escolha o trauma sofrido ou inconscientemente
não perpetuar genes de indivíduos desfavoráveis.
Um
estudo realizado com cinco mulheres
vítimas de estupro apontou que os maiores receios das mulheres violentadas
são: medo de ter adquirido o vírus
HIV; de reencontrarem
o estuprador; de sair de casa; de ficar sozinha e de contar o fato aos
familiares e parceiro. O resultado de uma gravidez não apareceu entre os
maiores medos, mas também foi discutido, principalmente por uma das
entrevistadas, que é casada e não sabia como contar para o marido caso o exame desse positivo. Eles também perceberam que a
natureza do estuprador e o ambiente onde ocorreu a agressão foram totalmente
diferentes, comprovando que para uma barbárie dessas acontecer não tem hora nem
lugar “apropriado”.
Nós formandas em Biologia acreditamos
que para a mulher que é estuprada, ter ou não um filho fruto deste ato é uma
questão que apenas ela pode decidir. Não bastante ter de gerar um fruto do
estupro, muitas mulheres adquirem também DSTs, são culpabilizadas, e tem seus
relacionamentos abalados. O governo apoiar um processo que a mãe mantenha a
gestação e o estuprador pague pensão pode ser considerado algo totalmente humilhante para a mulher violentada.
Como encarar a pessoa que te forçou, muitas vezes se utilizando de uma arma, para
fazer algo que você não queria? Esse algo, que é pra ser o símbolo da união de
um casal, que envolve afeto e amor, e que, quando ambos quiserem, gerará
descendentes. E as mulheres que já são casadas, como chegar para o seu parceiro
e dizer que foi estuprada, que adquiriu alguma doença ou que está grávida? Como
o governo pode dizer que “se” a mulher quiser gerar o filho ela pode, e ainda
por cima o estuprador pagará a pensão? Não é tão fácil criticar uma mulher que
opta pelo aborto, só ela sabe a dor que passou pela humilhação, quanto receio
ela pode sentir em confiar em alguém de novo, ter vontade e coragem de sair de
casa. Apenas ela sabe a força que ela tem que fazer todos os dias para
continuar a vida. Sim, o feto não terá seu desenvolvimento uterino completo,
não se tornando uma criança. Mas até que ponto uma vida em potencial é mais
importante que uma vida já estabelecida?
O presente ensaio foi
elaborado para disciplina de etologia tendo como base as obras:
CIÊNCIA
HOJE. Por dentro das células. Os
Segredos do cavalo-marinho. Disponível em: Acesso em 13 de Setembro de 2013.
DREZETT, J. . Violência sexual contra a mulher e impacto
sobre a saúde sexual e reprodutiva. Revista de Psicologia da UNESP, 2(1), 2003.
EDUCAÇÃO
UOL. Disciplinas. Cuidado parental, como as diferentes espécies cuidam de seus
filhotes. Disponível em:
http://educacao.uol.com.br/disciplinas/ciencias/cuidado-parental-como-as-diferentes-especies-cuidam-de-seus-filhotes.html.
Acesso em 13 de Setembro de 2013.
ESTATUTO DO NASCITURO. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/prposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=443584 .
Acesso em 07 de Agosto de 2013.
G1
RIO GRANDE DO SUL. Ato contra o Estatuto do nascituro reúne manisfestantes em
Porto Alegre. Disponível em:
http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/06/ato-contra-estatuto-do-nascituro-reune-manifestantes-em-porto-alegre.html.
Acesso em 07 de Agosto de 2013.
INSTITUTO
HUMANITAS UNISINOS. Origem do Comportamento Social Humano Moderno. Disponível
em:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias-anteriores/23046-a-origem-do-comportamento-social-humano-moderno.
Acesso em 13 de Setembro de 2013.
MANFROI,
E. C.; MACARINI, S. M.; VIEIRA, M. L.
Comportamento parental e o papel do pai no desenvolvimento infantil. Rev. Bras. Cresc. e Desenv. Hum. 2011;
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Acesso em 13 de Setembro de 2013.
NOTÍCIAS
TERRA. Pessoas protestam contra o Estatuto do nascituro. Disponível em:
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/sp-cerca-de-200-pessoas-protestam-contra-estatuto-do-nascituro,1edaba5d7194f319VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html.
Acesso em 07 de Agosto de 2013.
PELANDA,
A. M.; UTUMI, P. H.; AFORNALI, P. Amor ao Filhote – O que pode levar os pais a
arriscarem a vida pelos filhos. Disponível em: Acesso em: 13 de Setembro de 2013.
REVISTA
SUPER ABRIL. Estupro. Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/estupro-445003.shtml. Acesso em 13 de Setembro de 2013.
ROSA,
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Disponível em: Acesso em 13 de Setembro de 2013.
SOUTO,
A.; GIRARDI, F.; FLORENTINO, M. Amor pelo filhote: Sentimento ou estratégia
evolutiva?. Disponível em: Acesso em 13 de setembro de 2013.
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Mulheres vítimas de estupro: contexto e enfrentamento dessa realidade. Psicologia
& Sociedade, 17 (3), 73-79; set/dez: 2005. http://www.scielo.br/pdf/psoc/v17n3/a12v17n3.
Acesso em 29 de agosto de 2013.
TRIVERS,
R. L. Parental investment and sexual
selection. In B. Campbell (Ed.), Sexual selection and the descent
of man: 1871–1971 (pp. 136–179). Chicago: Aldine, 1972
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