Para
refletirmos sobre o posicionamento ético diante do uso de animais em atividades
acadêmicas, devemos começar com dois questionamentos. Primeiro, porque devo ser ético, e após de
compreendida essa parte, o que devo
fazer para ser ético.
A
questão ética surge quando uma decisão irá beneficiar um em detrimento do
outro, conferindo a existência de um conflito
de interesses. Geralmente resolvemos essas questões éticas tomando os
nossos interesses, crenças, convicções como base para as decisões. Contudo é
certo levar em consideração apenas nossos interesses? e os outros envolvidos? A Bioética
se propõe a promover um diálogo entre todas as partes e assim a partir dos prós
e contras de cada um buscar um equilíbrio.
A
história da humanidade é intrinsicamente relacionada com a utilização dos
animais para sua sobrevivência, assim como ocorre com todas outras espécies. Contudo,
algo aconteceu ao longo da nossa história evolutiva que nos distanciou da
natureza, nos dando mais força e poder,
tornando todos os outros seres vivos vulneráveis
diante da nossa sede de desenvolvimento tecnológico e econômico.
No
início da sua história, o homem estabeleceu com a natureza uma relação biológica, e ele a via com um
grande e poderoso desafio a ser vencido. O grande marco da mudança nas relações
é sem dúvida o advento da agricultura,
a partir desse momento o homem passou a controlar o nascimento, desenvolvimento
e a forma de plantas e animais. É como se o homem quebrasse um contrato natural em que todos os seres
possuem chances iguais de sobreviver e manter a sua espécie, segundo as regras
naturais.
Considerando
os quase 188 mil anos para chegar até esse momento, nos próximos 12 mil anos a
evolução tecnológica foi explosiva e em pouco tempo os animais já não serviam apenas para alimentação, vestimenta,
companhia, entretenimento e como auxiliar nas atividades práticas do dia a dia.
O homem passou a se interessar em estudar
os seus corpos e através de dissecações realizadas em animais mortos, conseguia
transpor para seu autoconhecimento, começando a jornada científica na busca de
controlar o seu próprio corpo. Da dissecação em animais mortos, os cientistas
clássicos passaram para os animais vivos, afim de suprir a sua curiosidade em
ver os órgãos funcionando. Ressalva-se que essas experimentações eram
realizadas na ausência de anestésicos. Por muitos anos estudantes reuniam-se em
volta desses animais para compreenderem a magnitude do organismo vivo.
Durante
a era medieval, a atmosfera de magia
direcionou a uma relação mais orgânica
com a natureza, a qual era atribuída uma consciência própria um poder sobre os homens.
A ciência evolui pouco nesses séculos, e fatos inusitados foram registrados,
tais como o julgamento de animais que prejudicavam, feriam ou matavam as
pessoas, para o qual eram montados tribunais compostos por juízes, promotores e
defensores.
Contudo,
uma mudança radical na história permitiu a retomada dos valores científicos
como base norteadora para as decisões, a Renascença,
o Iluminismo e outros movimentos apoiam o desenvolvimento do método científico
e a busca por conhecimento o qual inevitavelmente culminou no desenvolvimento
de tecnologias que promoviam melhores condições de vidas em grandes aglomerados
de pessoas em centros urbanos. A partir desse momento a pesquisa científica se
aprimorou e os animais passam a ser os modelos para as experimentações de todos
os produtos gerados pela criatividade humana. Claude Bernard é um nome importante nessa época, pois seu livro foi
considerado como a “A Bíblia dos Vivesectores”, por orientar inúmeras formas como
posicionar o animal vivo, para os mais diversos estudos. O principal nome na
experimentação animal é Rene Descartes,
pois implementou a ideia de que os animais não possuem consciência de sua dor.
A ideia foi rapidamente aceita e disseminada, prevalecendo até os dias atuais,
pois representa uma carta branca para poder trabalhar com os animais sem culpa.
Durante todas subsequentes décadas de experimentações abusivas, houve o
posicionamento de inúmeros movimentos em prol aos animais, contudo suas
demandas e denúncias foram abafadas diante dos resultados promissores e da
conivência de renomados cientistas e universidades. A partir desse momento se
instaura uma ideia que toda e qualquer conduta que remetesse ao mínimo de antropomorfismo era um pecado para todo
aquele que quisesse ingressar na carreira acadêmica, logo os estudantes de
cursos superiores, tão logo ingressasse em suas escolas aprendiam que era
ridículo atribuir sentimentos, emoções ou consciência aos animais, inclusive
sendo repugnada a prática de atribuir-lhes nomes e características humanas.
Com o
desenvolvimento científico os animais passaram a ser cada vez mais estudados,
seja ao nível fisiológico, morfológico, comportamental ou ecológico. Foram usados
para testes de toxicidade, testes
militares, espaciais e experimentação genética, desenvolvimento de técnicas
cirúrgica e para aulas. Embora, de antemão se entendesse que o modelo animal
iria proteger os humanos de possíveis reações aos produtos, aceitando a
semelhança fisiológica e morfológica, não se admitia a semelhança mental, o que
permitia serem subjugados sem maiores pesares. Contudo, o próprio
desenvolvimento das ciências comportamentais, tais como a psicologia
experimental e a etologia, e mais recentemente as neurociências têm mostrado
que eles são mais parecidos conosco do que gostaríamos. Essas descobertas, ou
melhor, provações científicas da sensiência
animal - de que sofrem fisicamente e
mentalmente diante da cobiça humana - trouxe um inquietante elemento nos
parâmetros utilizados para as decisões em usar ou não um animal para essa
finalidade.
Durante
todos esses séculos não faltaram olhares para o que estava sendo realizado aos
animais e tentativas frustrantes de delegar a favor dos mesmos. Contudo, as
demandas sociais tornavam os atos lícitos. Mesmo Diante das justificativas
socialmente aceitas, muitos pleiteavam por condutas humanitárias, que fizesse,
desde que os animais fossem respeitados. Desta forma, podemos listar inúmeros autores que se posicionaram
claramente a favor ou contra a experimentação animal.
A
relação da humanidade com os animais é permeada por correntes filosóficas - que são os referenciais teóricos, das quais
algumas podem ser claramente identificadas em grupos sociais específicos,
enquanto outros movimentos apresentam composições éticas peculiares. A base
teórica perpassa o questionamento sobre qual
o valor da natureza para cada indivíduo e como a natureza é percebida. As
discussões éticas a respeito da interação do homem com a natureza em sua origem
se dá com relação aos animais, embora movimentos mais modernos estejam
ampliando a visão para todos os seres vivos.
A
primeira corrente e mais presente em nossas sociedades é a Ética antropocêntrica, a qual prioriza os interesses econômicos, científicos e estéticos mesmo
quando defende as plantas e os animais. Adota a lógica instrumental, não
atribuindo direito moral aos outros seres vivos. Originada nas filosofias
clássica e no pensamento judaico-cristão faz do homem o gestor e usufrutuário
do planeta, o que resultou na crise ambiental agravada com a revolução
industrial e tecnológica. É na certeza,
no rigor científico e na noção de progresso que a razão, cooptada pelo crivo
científico, põe-se como fundamento racionalista determinando o destino de todos
os seres, incluindo o humano. Considera que o problema ecológico de caráter ético será resolvido pela economia, uma vez que a ciência como expressão da razão
diferencia o homem da natureza e gera confiabilidade da sociedade para
resolução de qualquer problema. O homem tem direito ao ambiente, uma vez que
tem capacidade de pensar, articular a simbologia com seus significados e gerar
cultura. O avanço tecnológico e
científico vem como forma de resolver problemas ambientais diante da
finitude dos recursos materiais, pretendendo, assim, reduzir os prejuízos e manter a produção industrial. Enquanto o
humanismo valorizou a posição do homem no universo, o mecanicismo coisificou e instrumentalizou a natureza
não humana. Muitos autores acreditam ser muito mais viável proteger a
natureza do ponto de vista humano levando em consideração o respeito à natureza
como fonte de recursos potenciais. A preocupação com a natureza visa, então, o
direito das futuras gerações e o cuidado da natureza por respeito a sua beleza
e harmonia, considerando estes valores como bens da humanidade. E, ainda,
questionam se seria racionalmente coerente e politicamente oportuno reconhecer
o direito da natureza não humana e quais são as consequências de tal
reconhecimento, constitui um laço importante na discussão ético-ecológica em
geral, refletindo sobre a extensão da responsabilidade humana. Uma forma de
incluir o homem na proteção foi o movimento denominado Ecologismo
personalista – que considera Ser humano integrante da natureza com
lugar e funções próprias, bem como o valor instrumental da natureza colocando
o homem acima dos outros seres devido sua capacidade de abstração, produção de
cultura e capacidade de dominar seus instintos.
O homem é tido como guardião da
natureza, uma vez que transcende o mundo das coisas, porém ressalta
a dependência da natureza e defendem
que os recursos naturais devem colaborar para o bem comum, gerando uma dívida
com sociedade e um compromisso com ambiente.
Uma
derivação da ética antropocêntrica é a Ética
Utilitarista – perspectiva utilitarista originada com Benthan e John
Stuart Mill - continua marcante no campo da ética animal, sobretudo pelo
trabalho desenvolvido por Peter Singer.
O sofrimento é visto como o critério
moral mais relevante e a senciência
é considerada necessária e suficiente para os organismos possuírem interesses.
Contudo, nos animais inferiores é aplicado o utilitarismo hedonista enquanto que nos animais superiores é
aplicado o utilitarismo de preferências
(aspirações próprias de cada animal - uma ação contrária à preferência de um
ser é incorreta, exceto essa preferência for superada por preferências
contrárias de maior peso). Defendem a igualdade na consideração de interesses,
comparando o especismo com o racismo e
sexismo, para demostrar a fragilidade de nossas bases morais. Admite como
moralmente aceitável o abate de alguns animais, desde que seja feito de forma
súbita e sem dor. Influencia na ética normativa uma vez que esteve ligado ao
liberalismo político e econômico. Ultimamente sua concepção criticada por lhe
atribuírem implicações morais contrarias aos senso comum.
Para
apoiar a ética Utilitarista se desenvolveu a Ética
Bem-estarista - socialmente percebida como moderada e razoável,
reducionista, interessada em trabalhar dentro e com o sistema, com uma atuação
calma e racional e assente em boa informação, principalmente de cunho
científico. Os seus ativistas são principalmente cientistas (preocupados com as
condições dos animais de laboratório) e agricultores (preocupados com as condições
dos animais de pecuária).
A
ciência do Bem-estar animal nasceu de movimentos contra aos excessos
direcionados para os animais de produção após as grandes guerras mundiais. A
busca por alimentos de baixo custo porém de rápida produção mudou radicalmente
os processos de manejo e criação, levando a um alto custo de sofrimento animal.
Diante disto o governo britânico se posicionou compondo um comitê para discutir
as condições mínimas que todos animais mantidos em cativeiro deveriam ter,
sendo elaboradas e amplamente divulgadas as 5 liberdades animais.
Embora
a primeira sociedade protetora de animais tenha sido fundada em 1824 e seguida
da primeira lei que regulamentava a experimentação animal (The cruelty to
animals act) em 1876, foi a pressão social liderada por movimentos radicais
iniciados na década de 1960 culminou no posicionamento do governo e na
elaboração de leis que regem a experimentação animal. Como reflexos se
desenvolveu simultaneamente a prática da experimentação animal, a referência
teórica atual: o conceito dos “3Rs” -
replacement, reduction e refinement - estabelecidos por Russel e Burch em
seu livro “The Principles of Humane Experimental Technique”, publicado pela
primeira vez em 1959. A origem desse conceito encontra suas raízes em Charles
Hume, fundador da UFAW (Universities Federation for Animal Welfare, 1954),
considerando que o 1º “R” ou “replacement” (substituição) levando à busca para
substituir a utilização de animais vertebrados por outros métodos que utilizem
outros materiais, seres não sencientes, tais como plantas e
microorganismos; O 2º “R” ou “reduction”
(redução) incentiva a redução do número de animais utilizados no experimento, o
que é possível atra´ves do planejamento correto das estratégias e delineamentos
experimentais; O 3º “R” ou “refinement” (refinamento) direciona para
minimização ao máximo do desconforto ou sofrimento animal, seja fisco ou mental.
Essas leis são extremamente detalhadas e levam em consideração além da
fundamentação teórica com base nos 3rs ,a questão ética. Ressalva-se que dentre
todos os usos animais em nossa sociedade, tais como alimentação, vestimenta,
companhia, entretenimento, a experimentação é que acompanhada de maneira mais
rígida. E curiosamente é a que todavia gera um posicionamento mais agressivo da
sociedade que fecha os olhos para demais demandas. O final do século IXX foi
marcado também por atrocidades em pesquisas realizadas com humanos, aos quais
também não era atribuído um status
moral, tais como pobres, negros ou judeus. Esses abusos, foram contidos por
posicionamento radical da sociedade que se mobilizou de forma a normatizar a
pesquisa com humanos, marcando o surgimento da bioética como uma ciência
norteadora. Concomitantemente movimentos em prol aos animais também se
organizaram, gerando uma pressão para que políticas fossem geradas para a
normatização também do uso de animais. A sociedade tem questionado se a
experimentação animal é mesmo o melhor meio para o desenvolvimento científico,
ou se a fazemos mais por um comodismo ou devido a um padrão cultural
estabelecido. Se um por um lado, os adeptos justificam a experimentação
listando os inúmeros benefícios alcançados, principalmente no desenvolvimento
de medicados, o outro lado lista todos os medicamentos que deram errado,
justamente por apresentar efeitos diferentes em diferentes organismos. Sabe-se
que um mesmo medicamento pode ter ação distinta em dois irmãos gêmeos, porque
não teria entre espécies tão distantes? Mas mesmo diante da compreensão desse
viés, ainda é mais seguro testar em organismos complexos, do que em
simuladores. Questiona-se também se as condições de estresse e distresse em que
os animais são submetidos poderiam afetar nos resultados, sendo assim as
milhares de publicações científicas inúteis em termos práticos. Outro ponto que
não é considerado, é porque a sociedade precisa de tantos novos medicamentos e produtos que demandam novos testes. Não
seria conveniente e avaliar os motivos do surgimento de novas doenças e trabalhar na origem, ao invés de criar cada
vez mais métodos paliativos? Da mesma forma se questiona a necessidade de ter
que lançar novos produtos seja de cosmético, domissaniátios ou alimentares,
impulsionados pelo competitivo mercado
econômico e que gera abusos, uma vez que as próprias agências regulatórias
exigem esses testes. As políticas públicas
decorrentes da aplicação dos 3 Rs que culminaram no estabelecimento dos comitês
de ética, vieram com o um intuito inicial de fortalecer a ideia da busca dos
métodos alternativos.
O movimento
contrário ao utilitarismo é a Ética Direito
Animal ou abolicionista – Segundo seu principal disseminador Tom Regan – os animais devem ter um
único direito moral, o de não ser prejudicado em termos utilitaristas.
Princípio da minimização numérica o qual deve ser aplicado quando os danos em
causa são da mesma magnitude, optando-se por prejudicar o menor número de
indivíduos. O “Princípio de minimização individual” postula que quando danos de
diferente magnitude estão em causa, deve-se evitar causar os danos mais
gravosos. Os animais que têm livre arbítrio (mamíferos superiores) são sujeitos
morais e têm direitos morais. Esses animais são sujeitos da sua própria vida e
o seu abate deve ser interditado pois lhes rouba um futuro que
anteciparam. Socialmente encarada como
radical, extremista, abolicionista, violenta e libertária, atua de forma
emocional, irracional e desinformada. É movida por um conjunto de ativistas
geralmente desligados das profissões científicas e agropecuárias.
No
entanto, ressalva-se que ambas as visões compartilham dos princípios da Ética Senciocêntrica – para fundamentar
as teorias de Singer e Regan é necessário determinar que animais sentem dor
e prazer, e que animais são auto-conscientes (e possuem preferências, sendo
sujeitos de uma vida). Teles da Silva
reformulou e aprimorou - com conhecimentos das neurociências contemporâneas e
em particular às teorias de António Damásio - as categorias cognitivas dos
animais, considerando que alguns não são dotados de consciência, outros possuem
consciência nuclear (animais tão só conscientes, que correspondem aos animais
sencientes de Singer) e os mais complexos que possuem consciência alargada
(animais auto-conscientes de Regan). Singer considera indiscutivelmente os
primatas, e talvez alguns outros mamíferos; já Regan considera inicialmente
todos os mamíferos e mais tarde incluiu também as aves. Por se basear na
senciência, a corrente que atribui consideração moral a este universo, ainda
restrito do homem e dos animais superiores, designa-se por vezes como
senciocentrismo. Diferentes filósofos discutem atualmente os aspectos éticos,
científicos envolvidos com os “casos marginais”, ou seja, os grupos que
estariam na linha que dividiria os homens os animais os quais deveriam receber
igual consideração moral.
Atualmente,
a Ética Ambiental centra-se no
reexame dos valores humanos que influenciam as atitudes individuais e coletivas
para com a Natureza proporcionando o aparecimento e aprimoramento da Ética Biocêntrica que adota uma visão
holística sem posse ou domínio, cujo mundo natural possui ritmos próprios, destacando
valor intrínseco de qualquer animal, planta ou elemento abiótico. A Ética ecocêntrica pretende ultrapassar
os problemas do biocentrismo pregando a harmonia entre as espécies. Não dá
valor a vida individual, apenas ao ecossistema. Dela deriva-se inúmeras
outros movimentos holísticos com fundamentações específicas para a mesma
finalidade de desenvolvimento de uma nova forma de se relacionar com o natural,
tal como o Ecofeminismo: ética baseada na definição de relacionamentos e na
comunidade, preocupação, amizade, confiança e reciprocidade valores
essencialmente femininos. Plurarismo
Ético - vida moral balizada
pela adoção de um conjunto restrito de
diferentes princípios, considerando diversas perspectivas éticas,
admitindo a inexistência de um princípio moral único que todos os agentes
deveriam subscrever. E o Comunitarismo
Ético - comunidade simultaneamente como palco e condicionante da
aplicação da ética.
Estamos
vivendo um momento de transição da nossa sociedade, em que é visível a mudança
de atitudes de uma gama de grupos sociais à respeito do uso dos animais. Embora
mais tímido alguns grupos têm se posicionado contra animais usados para
entretimento como shows e exposições, contra os penosos processo de produção
animal e os custos envolvidos na domesticação de animais, seja devido à
reprodução seletiva, ao abandono de animais ou à humanização. Mas sem dúvida
nenhuma é óbvio que os olhares se voltam mais ferozmente para as atividades
realizadas atrás dos muros da academia - provavelmente por ser um ambiente mais
misterioso, cujas práticas não estão tão as claras como as demais. Não se tem dúvida
também que os dois lados têm razão, tanto que o próprio meio cientifico tem se
mobilizado à décadas na elaboração de métodos e diretrizes para não haver
abusos e buscando o desenvolvimento tecnológico que promova a substituição dos
modelos animal. É inegável que pesquisas que atestem as capacidades cognitivas
dos animais são importantes, assim como também é valido o desenvolvimento da
ciência do bem-estar animal - visando a minimização dos custos do cativeiro,
para animais que a curto e médio prazo ainda deverão dispor de suas vidas, em
prol de um motivo justificável. Contudo, os debates filosóficos e bioéticos
devem permear a compreensão das condutas humanas e levar a compressão
individual do porquê devemos ser éticos com os animais, de conduzir as pessoas
a refletirem sobre o valor da uma vida e apenas depois de ponderado
minuciosamente os prós e os contras envolvidos, decidir ou não pelo uso do
animal para satisfazer a sua necessidade. Necessidade esta, que pode ser de
fato a busca de um produto que salvará muito mais vidas do que essas que foram
encerradas e que promoverá um bem comum para todos os seres vivos. Contudo, a
vida desse animal deve vir em primeiro lugar se o motivo for apenas a
realização de um trabalho de conclusão de curso, testar uma metodologia já
consolidada, demonstrar um procedimento não afetará na desenvolvimento de
habilidades profissionais, mas sim, servirá para dessensibilizar o aluno, ou
até mesmo demandas mais fúteis, tais como tirar uma fotografia.
Como devo ser ético? Eu acredito piamente que
todo cidadão, esteja ele na camada social e intelectual que for, tem direito à
informação e à educação. Apenas através de um processo que envolve informação,
sensibilização e conscientização é possível se tomar decisões pautadas em
elementos concisos. Através de uma sociedade mais atuante e interessada,
desenvolve-se as políticas púbicas e a legislação para os casos mais complexos,
regulamentando assim todos os animais que trabalham para os humanos, garantindo
seus direitos de não sofrimento e de não serem abusados.
Além de
trabalhar com comportamento animal há mais de 23 anos; fazer parte do CEUA foi um processo que mudou a minha percepção
com relação aos animais e redirecionou a minha atuação profissional na
pesquisa. A responsabilidade de ser a voz desses seres - que mesmo contra a sua
vontade justificam a sua existência em prol de interesses humanos - é algo que
nos faz grande. Embora a sociedade ainda acredite que nós servimos apenas para
“esquentar” pesquisas desnecessárias e sanguinárias, na verdade nós diariamente
nos colocamos como mediadores dessa relação desigual e temos a responsabilidade
em decidir quantos, quais e em que condições os animais poderão ser usados.
Essa demanda nos traz um grande mérito e também grandes oportunidades de
reflexão. Quem participou do processo de implementação dos CEUAS, vivenciou
momentos de reflexão ética, cuja ponderação do certo e do errado era o que
valia. A rigidez legal, e a mudança do nosso status de mediador para fiscalizador, nós traz um peso maior,
principalmente pelo fato da maioria de nós termos nossa formação alicerçada nos
animais e não nas bases legais. Mas, eu acredito que esse é o caminho natural
para preservar a saúde dessa relação e que os grandes crescimentos vêm
justamente dos momentos de crises. Sou extremamente otimista e acredito que
vamos desenvolver a cada dia mais tecnologia e alternativas para substituição bem
como a consciência para o valor intrínseco de cada vida. Apesar de todas as
pressões inerentes à atividade eu sinto muito orgulho e prazer em fazer parte
de um CEUA.