Uma reflexão etológica do Natal...




As comemorações dessa época do ano têm inúmeros elementos da formação de grupo - bases biológicas e emocionais que permearam a evolução do homem, o qual em busca de um grupo forte que lhe propiciasse melhores chances de sobrevivência, foi elaborando ao longo da sua história elementos fundamentais para coesão dos grupos. A questão é que as questões culturais evoluíram em um ritmo diferente do corpo físico, consequentemente, embora nosso hardware continue muito parecido com o do homem moderno - que surgiu há 100.000 anos - o nosso software - representado aqui pelos nossos aspectos psicológicos - é extremamente moderno, dinâmico e imprevisível. Obviamente que existe aqui um conflito que coloca em cheque o que acreditamos que queremos e o que de fato queremos.
A cada dia vejo pessoas mais insatisfeitas com as comemorações do Natal; elas não se identificam com o clima, músicas, cores e atitudes relativas à data. Mas essa insatisfação - apenas em alguns casos - reflete de fato em uma mudança de atitude bem elaborada. Em uma grande parte das pessoas gera uma angústia por fazer cumprir os rituais sem desejo de fato de fazê-lo. Fico pensando se o homem da caverna também se sentia assim, mas cumpria os protocolos para não ser expulso do bando. Desde aquela época, músicas, ornamentos, símbolos e crenças foram elementos utilizados para fortalecer os laços de união entre os indivíduos de um mesmo grupo, ao mesmo tempo em que coibia a mais remota possibilidade de deserção. O que é de fato o Natal parece ter pouca importância, desde que estejam presentes toda mistura de símbolos como Jesus e Papel Noel; de solidariedade e comércio; de esperança e peru; só cumprindo o ritual é que de fato alguém se sente inserido no grupo e isso conforta o seu lado biológico que clama por aceitação e proteção. Mas que grupo é esse? Há 100.000 anos os bandos de hominídeos possuíam cerca de 150 pessoas, e elas deveriam possuir um mesmo ritmo, pois o grupo representa um superorganismo - algo como um corpo e suas células. Nosso biológico evolui nessa perspectiva, e hoje nosso grupo é uma aldeia global de 7 bilhões de pessoas. Será possível a existência de elementos que nos una em um único grupo, apenas pelo fato de sermos humanos?
E daí no mundo inteiro é passada uma imagem da família dos sonhos dos nossos corpos biológicos, onde impera o altruísmo, a cumplicidade, a unicidade. As imagens que passam na frente da nossa “caverna de Platão” moderna nos diz que no dia 25 de dezembro podemos ter o que almejamos o ano inteiro, mas que não tivemos tempo de operacionalizar, tendo em vista as demais prioridades.  A nossa mente até entende a dimensão dessa ilusão, mas nosso cérebro nos convence a comprar presentes para fortalecer os elos com os demais indivíduos do nosso grupo; convence-nos a montar uma mesa farta e acolhedora, convence-nos a mandar mensagens de feliz natal, sem ao mesmo ter a definição do que é um feliz natal.
A minha reflexão não é a respeito dos rituais – alias, adoro rituais -  mas sim a efemeridade da união do grupo. Por que tenho que ser presenteada nessa data? Por que tenho que amar o próximo só nesse clima? Por que tenho que unir a família apenas uma vez por ano? No resto do ano as pessoas não têm seu próprio bando, se iludem acreditando que fazem parte do bando mundial, vivem sozinhas exercendo a autonomia, independência e imediatismo que tanto desejam, não sabem lidar com frustações e nem respeitar as hierarquias; não se esforçam pelo outro a fim de manter o bando coeso e forte, pronto para derrotar qualquer inimigo. Como etóloga me parece estranho os arranjos sociais que têm se formado, nosso corpo clamando por acolhimento, nossa mente nos dizendo que o mais importante nessa vida é ser feliz e cumprir nossos sonhos descartáveis, seja qual for o preço desse sonho, e se puder pagar, melhor! É mais fácil.  
Acredito que cheguei a um estágio da minha existência que de fato esses conflitos ficam mais intensos e infelizmente não consigo mais acreditar no papai Noel. O bacana é estar vivenciando essas coisas e ter alcançado uma capacidade de reflexão que me permite ser expectador e ator dessa fascinante magia do viver. Não vou desejar um feliz Natal, mas sim que esse dia não traga só presentes – muitas vezes extremamente inúteis – mas também traga reflexões que permita você a se encontrar com ser humano em todas as suas nuances e que sua existência seja o presente mais valioso de você para você!