Ética na extração de veneno para comercialização



Série Ensaios: Ética no Uso de Animais e Bem estar animal
Por Tauane Garcia Barreto
Pós-graduanda do curso de Conservação da Natureza e Educação Ambiental

Desde o começo da humanidade a farmácia tem feito parte da vida humana, mais precisamente a partir do período pré-histórico afirmam os pesquisadores. A definição de “medicamento” segundo a legislação brasileira (Lei n° 5991, de 17 de dezembro de 1973), afirma que se trata de um produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. O mesmo normamente é constituído por princípios ativos naturais ou sintéticos, devidamente testados e distribuídos à população conforme prescrição medica. Com relação aos medicamentos compostos por elementos de origem natural, mais precisamente os que possuem em sua constituição algum tipo de veneno animal extraído, de acordo com a legislação vigente da ANVISA, só podem ser comercializados os medicamentos produzidos por estabelecimentos autorizados e licenciados, sujeitos a fiscalização. Contudo, a prática de extração de veneno em animais burlando a legislação a fim de se obter lucro fácil, mais conhecido como biopirataria, vem se apossando do mercado farmacêutico, e, diga-se de passagem: “sem um pingo de ética”.  Pequenos produtores têm sido incentivados a investirem no cultivo de cobras, muitas vezes feito de forma improvisada, baseado nos altos valores oferecidos para a exportação de uma simples grama de veneno. Já não há mais dúvidas de que o veneno das cobras brasileiras é bioquimicamente riquíssimo, com componentes que apresentam efeitos anticoagulantes, miotóxicos (com ação sobre os músculos) ou ainda neurotóxicos (sobre as células nervosas), sem mencionar hipóteses ainda não comprovadas, fato que aumenta ainda mais o valor desta iguaria.  Seguindo muitas vezes o exemplo da uma criação de gado, com relação à falta de ética no uso animal, criadores de cobras na maioria das vezes sem tem um curso especializado, se expõem aos riscos causados pelo manuseio destes animais para extrair seu veneno, que em sua maioria não passa de 100 gramas por mês de cada animal, fato que explica o aumento na demanda pelo produto. Apesar de ser uma prática um tanto simples, a extração de venenos exige do estabelecimento uma autorização fornecida pelo IBAMA, mas que na tentativa de combater a biopirataria foi vetada, pois ter um lucro obtido às custas de animais é cômodo, mas conseguir proporcionar aos mesmo o conforto e cuidados merecidos não é tão fácil assim. (veja vídeo 1). Boas instalações são imprescindíveis para a sobrevivência de animais em cativeiro. Pesquisadores do Instituto Butantã afirmam que dentre as  acomodações necessárias a um criadouro de serpentes estão a sala de quarentena, laboratório, biotério e as estruturas para criação externa como baias ao ar livre, terrários, berçário e a área de serpentário extensivo. Além disso, o manejo alimentar e sanitário juntamente com a obtenção de informações sobre o habitat natural de cada espécie são fundamentais na hora de reproduzir o ambiente delas, garantindo o seu conforto e bem estar. No entanto, a regularização de um criadouro custa caro e como todo empreendimento, demora a gerar lucro, incentivando ainda mais os produtores a procederem de forma ilegal. (veja vídeo 2)
Em um mundo capitalista, quase não há espaço para a ética, ainda mais se esta for relacionada ao uso de recursos naturais incluindo a fauna e flora. No caso da extração de veneno, as cobras são levadas a exaustão para atender a demanda, visto que as suas glândulas produtoras do veneno demoram um período de aproximadamente três semanas para estarem cheias novamente. Isso nos leva a pensar : onde fica o bem estar animal nesta hora?.  A Lei 9.605/98 de proteção aos animais que diz que é crime praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos, nativos ou exóticos. E por mais que estes animais aparentem estarem bem cuidados e confortáveis em seus cativeiros, isso não nos dá o direito de pensarmos que eles estão satisfeitos com seus modos de vida, principalmente se este modo for “aguentando” práticas de extração excessiva. Em nosso entendimento pensamos, para quê vamos nos importar com o bem estar destes “bichos”, sendo que eles sempre nos serviram desde a nossa alimentação até fins locomotores? Contudo, diante deste questionamento, penso que devemos sim nos preocupar com o bem estar não só da fauna, mais de todos os organismos e recursos que compõem o meio ambiente. Estamos inseridos no mesmo espaço físico e ainda que nos humanos estivéssemos realmente em uma posição superior, isso não nos traria o direito de maltratar ou faltar com respeito com qualquer organismo, seja ele “micro” ou não.  Não somente as cobras, mas todo e todos no ambiente nos proporcionam uma gama de serviços, inclusive as propriedades farmacêuticas, que deveriam nos causar uma gratidão que nos levaria a valorizá-los de uma forma que o ato de “cuidar” seria uma simples e obrigatória ação!  Entendo a valiosidade médica que os venenos possuem e concordo com a sua extração, claro, em condições regulares à legislação e principalmente com muita cautela em expor os animais a grandes níveis de produção. Entretanto, de maneira alguma sou a favor da clandestinidade no uso destes animais seja para qual for o fim, e compartilhando desta mesma posição, Ong’s e órgãos públicos estão na luta para mudar esta realidade não incentivando a biopirataria e tentando obter reforços na fiscalização. Já é passada a hora de acharmos que somos superiores o bastante para ignorarmos questões sérias como estas e renovar nossos pensamentos e conceitos!
Este ensaio foi elaborado para disciplina de Ética e Bem-Estar Animal se baseando nas obras: