segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Considerações éticas e legais sobre o Bem-Estar de animais usados em aulas práticas



Série Ensaios: Ética no uso de animais e bem estar animal
Por Audia Brito Rodrigues de Almeida
Pós-graduanda em Conservação da Natureza e Educação Ambiental

A utilização de animais para fins didáticos é uma prática muito antiga, que surgiu da necessidade do ser humano estudar e conhecer o funcionamento do corpo humano e animal em todos os seus aspectos. As práticas de ensino mais comuns com animais são a vivissecção, ou seja, qualquer intervenção ou estudo em animal vivo, e a dissecação, estudo utilizando animais já mortos. Essa prática começou a ser questionada pelos filósofos do século XVIII e XIV, com o início da discussão a respeito da senciência dos animais (capacidade de sentir dor, medo, angústia, estresse e sensações agradáveis, como os seres humanos) - pois até aquele momento, os animais eram tratados como meras máquinas naturais a serviço do homem, pensamento baseado no antropocentrismo (Fin e Rigatto, 2007). Atualmente essa prática ainda vem sendo utilizada em Universidades de todo o mundo, embora muitos alunos e até mesmo alguns professores, pesquisadores e grande parte da sociedade sejam contra a utilização de animais para fins educacionais e de pesquisa. Cada vez mais temas como bem-estar animal e bioética, ganharam espaço nas discussões dentro do universo acadêmico. Esses conflitos éticos começaram a ocorrer com mais intensidade após vários alunos universitários não aceitarem participar de aulas práticas com animais, a partir desses fatos, outros estudantes tomaram coragem para expor seus princípios éticos e morais a respeito do tema (Pinto e Rímoli, 2005). Outro problema que está sendo observado em alunos que utilizam animais em aulas é a dessensibilização dos estudantes em relação aos animais. Nesse sentido, muitos autores (Zanetti, 2009; Cardozo e Vicente, 2007; Greif, 2003) condenam a utilização de animais em aulas, pois afirmam que a razão principal dessa prática é aprender uma teoria que já é conhecida e apenas repetí-la sem outras novidades. Portanto, sugerem que novas práticas de ensino sejam criadas, visando a substituição dos animais em aulas.
Os animais são utilizados em várias aulas práticas dos cursos das áreas biológicas e da saúde, nas disciplinas de anatomia, fisiologia, farmacologia, zoologia, psicologia, dentre outras. Como exemplo de uso de animais para fins didáticos, pode-se citar o uso de camundongos e ratos em aulas práticas de psicologia, em que esses animais, na maioria das vezes provenientes de biotérios, são submetidos a privações de vários tipos, à dor e estímulos para estudo de comportamento. Nesse sentido, podemos questionar do ponto de vista ético como fica o bem-estar desses animais, pois entende-se que nenhum ser pode viver bem em condições desfavoráveis, vivendo em um hábitat totalmente diferente do natural, ou sendo submetidos a dor, fome, privações e estresses.
No Brasil, o uso de animais para fins didáticos foi regulamentado pelo Projeto de Lei (PL) nº 1.153-A de 1995 (Projeto de lei sobre pesquisa em animais) e pela Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de crimes ambientais). A primeira, regulamenta o inciso VII, do § 1º do art. 225 da Constituição Federal de 1988, dispondo sobre a utilização de animais em atividade de ensino, pesquisa e experimentação e dá outras providências, e a segunda foi regulamentada pelo Decreto Lei nº 3.179/99, que no seu art. 32 determina pena de detenção de três meses a um ano e multa, para aqueles que praticarem ato de abuso, maus-tratos, ferirem ou mutilarem animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Incorrendo nesta mesma pena quem realizar experiência dolorosa ou crueldade em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Há ainda a Lei n° 11.794 de 08 de outubro de 2008, que restringe a utilização de animais para fins educacionais às instituições de ensino superior e técnicas de nível médio na área biomédica. Considerando a ética e o bem-estar dos animais, vemos que há uma urgente necessidade de substituição dos animais nas aulas práticas, pois conforme a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a experimentação animal, que implica um sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra e defende que as técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas. No caso dos camundongos e ratos utilizados em aulas práticas de psicologia, há outras alternativas de ensino, cujos alunos podem aprender sobre os comportamentos animais, sem necessariamente utilizarem animais vivos, como por exemplo, softwares, programas computacionais, vídeos, dentre outros. Como exemplo de alternativa para substituição dos animais nas aulas de psicologia, pode-se citar o software Sniffy o o rato virtual. No entanto, há divergências no meio acadêmico quanto a substituição de animais reais pelos animais virtuais, ma vez que alunos e professores argumentam sobre a necessidade de lidar com a imprevisibilidade de comportamentos de um rato real. Porém, essa e outras técnicas podem ser aperfeiçoadas e usadas para evitarmos a utilização de animais em aulas e procedimentos didáticos, e garantirmos uma melhor qualidade de vida e bem-estar a eles e consequentemente a nós mesmos.

Vídeo:
 

Esse ensaio foi elaborado para a disciplina de Ética no uso de Animais e Bem-Estar animal, tendo como base as obras:
CARDOZO, E.;VICENTE C.C. Considerações éticas, legais e científicas para a substituição da coleta e uso de animais vivos nas disciplinas de Ciências Biológicas e Ciências afins nas universidades brasileiras. Artigo de revisão. Saúde e Ambiente em Revista, Duque de Caxias, v. 2, n. 2, p.57-73, jul-dez  2007. Disponível em: publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/sare/article/view/246>.
Acesso em 31 de Outubro de 2012.
Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Disponível em: <http://www.apasfa.org/leis/declaracao.shtml>. Acesso em 31 de Outubro de 2012.
GREIF, Sérgio. Alternativas ao uso de animais vivos na educação pelaciência responsável. São Paulo: Instituto Nina Rosa, 2003. Disponível em: www.institutoninarosa.org.br/central/alternativas.pdf>. Acesso em 31 de Outubro de 2012.
Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em 03 de Novembro de 2012.

Lei n° 11.794 de 08 de outubro de 2008 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11794.htm#art27>. Acesso em 03 de Novembro de 2012.
PINTO, M. C. M.; RÍMOLI, A. O. Vivência dos estudantes das áreas biológicas, agrárias e da saúde da Universidade Católica Dom Bosco quanto ao uso de animais em aulas práticas. Biotemas, 18 (1): 193-2015, 2005.Disponível em: www.1rnet.org/literatura/trabalhos/mariana_coelho.pdf>. Acesso em 31 de Outubro de 2012.

Projeto de Lei sobre pesquisa em animais. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/pl1153.htm>. Acesso em 03 de Novembro de 2012.
ZANETTI, M. B. F. O uso experimental de animais como instrumento didático nas práticas de ensino no curso de medicina veterinária.IX Congresso Nacional de Educação- EDUCERE. 2009. Disponível em: www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/.../3558_2032.pdf>. Acesso em 31 de Outubro de 2012.

FIN. C. A.; RIGATTO, K. Utilização de animais em experimentação: aspectos éticos, jurídicos e metodológicos. Revista eletrônica Sorbi. V. 1, n 4, Julho de 2007  Disponível em: <http://www.sorbi.org.br/revista4/artigo-revista-bioetica-cyntia.pdf>. Acesso em: 26 de Outubro de 2012.

Um comentário:

  1. ù.ú cada vez mais se percebe que parte da humanidade está se tornando insensível e irracional. Veja bem, psicólogos querem estudar os sentimentos humanos e de animais e não percebem que estão perdendo os próprios sentimentos. Se o caso for utilizar um animal como experiência, já chegamos ao ponto em que colocar um professor destes ou docente no lugar seria a mesma coisa. ¬¬ ser-humano desumano querendo entender sentimentos que nem cultiva.

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