Mini-vestido-rosa sinal estímulo de comportamentos instintivos???


Em dezenas de sites e programas de televisão um dos temas mais discutidos é o tal do vestido rosa... vários especialistas, psicólogos, sóciólogos, sexólogos... debatem e refletem sobre o direito de usar vestido curto em universidade. Mas será mesmo o ponto que deve ser refletido? Na última aula eu e os alunos da psicologia levantamos vários pontos e o acadêmico Gean de Paula topou refletir comigo sobre algo além do vestido rosa curto.

Em todos os debates que tive a oportunidade de ouvir, intermediado com a polêmica do vestido curto apareciam timidamente palavras como: instinto, lado animal, histeria coletiva, verniz social, educação, sensibilidade... o vestido rosa foi só um motivo que desencadeou um comportamento automático (inato) de união contra um estimulo desagregador (principio fundamental para formação de grupo ver post É possível um mundo sem preconceitos???”)? Mas estamos falando de seres humanos, cuja cultura, educação são meios de se canalizar impulsos agressivos de intolerância ao que se destoa. O que aconteceu foi algo extremamente chocante, ver aqueles 700 alunos em uma arena hostilizando uma pessoa, personifica a intolerância a qual só possível de ser expressa dessa forma, em um ambiente que permite isso (lembrando que em qualquer animal social a hieraquia e as regras inibem alguns comportamentos). Tendemos a extravasar nossa agressividade em nossas casas com nossos parentes, pois sabemos que os elos sociais são fortes o bastante para não se abalarem. Também é tão comum ver essas manifestações em estádios ou saídas de jogo futebol. É inevitável a comparação com a intolerância às “bruxas” na inquisição e as pedradas dos mulçumanos. A questão do papel do meio social em que esses meninos estão inseridos, dos valores que são passados, da própria universidade como referência para esse comportamento mais “racional” são pontos que devem ser questionados.

Caramaschi (1997) apresentou em no Encontro Anual de Etologia uma reflexão sobre a Proxêmia: o significado psicológico e cultural do espaço. Nesse texto o autor fala da forma de espaçamento dos humanos e no final se refere ao espaço tribal. Nosso cérebro social com seus 100.000 anos ainda está preparado para viver em pequenos grupos (clans) de poucas centenas de pessoas, cujos sinais agregadores e segragadores são muito claros. Nas últimas décadas temos sido forçados a viver em grandes aglomerações, cujas representações se tornam mais simbólicas e o reconhecimento individual é substituído por símbolos como, por exemplo, falar um mesmo idioma, se vestir de uma determinada forma, acreditar em certos paradigmas. Assim, nos inserimos voluntariamente ou não em inúmeros níveis de organização social (grupo do trabalho, grupo da escola, grupo da família, grupo da igreja, grupo do clube, partidos políticos e por ai vai), cada um com seus símbolos agregadores e segregadores, muitas vezes antagônico entre eles. Ou seja, em um grupo você pode fazer, usar ou crer em algo e no outro não. Cada grupo tribal deve ter seus territórios claramente demarcados e com características propositalmente explicitadas cuja função é diminuir a agressividade através da elaboração (muitas vezes inconsciente) das regras sociais claras e de ampla aceitação. Assim, se o indivíduo inserido nesse grupo encontra um estímulo segregador (situação de ameaça externa) não consegue canalizar a agressividade (aprendida no seu meio social pela educação que recebeu) pode causar uma histeria coletiva, e mesmo pessoas que normalmente não reagiriam a um determinado estímulo (como uma loira gostosa em uma mini-saia rosa), passam a se juntar com o grupo que ganha força e coesão e tendem a eliminar o inimigo. Desta forma, países inteiros se envolvem em guerras sangrentas como o inimigo que é visto como não-humano. Esse é um ponto chave, pois deve ser o contrário da empatia e da solidariedade, uma vez que me colocar no lugar do outro, compreender seus sentimentos, me limitariam a hostilizá-lo. Eu só posso ir contra aquilo que é diferente de mim, pois não terei compaixão e me libertarei para poder agredir.

O Gean refletiu sobre a questão do significado bom senso e do senso comum, da capacidade distinguir o verdadeiro do falso – lembrando René Descartes em seu “Discurso do Método” questiona “se não ter bom senso acarreta não ter civilidade, honradez, decoro, honestidade e outros mais adjetivos tão bem quistos em uma sociedade como a nossa; faltou bom senso à moça com o seu vestido rosa-choque, aos estudantes, aos dois, ou a nenhum?. E se bom senso pode significar aceitar as diferenças ou condená-las?”

O mini-vestido rosa foi o estímulo sinal? ou apenas é um entre tantos?. Se não exercemos nossa capacidade humana de refletir sobre nossos atos antes de executá-los, nada mais nos diferencia dos outros animais e qual é o papel da educação? se a intolerância se tornar tão grande, qualquer sinal mínimo que um individuo interprete como inimigo será o suficiente para reunir milhares de pessoas e exterminar esse motivo? Daqui a pouco poderá ser um homossexual, uma raça diferente, uma cultura diferente? E podemos repetir indefinidamente histórias como nazismo, apartheid, fascismo....?

O Gean relaciona o fato com a teoria do Inconsciente Coletivo, proposta pelo psicanalista suiço Carl Jung “Nela, repetimos de modo automático e imitativo, os comportamentos, atitudes e idéias que deram certo sempre para o homem se constituir como tal. São traços herdados da humanidade no seu percurso evoluionário que Jung chamou de arquétipos – nada mais do que modelos de comportamentos e materiais a serem repetidos sem prévio questionamento. Pergunta-se ao soldado por que ele defende seu país numa guerra e ele diz: porque é ser patriota, é a forma mais gloriosa de amar a terra natal. Pergunta-se ao torcedor de time de futebol por que ele destina tanto amor à sua camisa e ele responde: por que aprendi em casa com o meu pai o que é torcer por um time de verdade que deu tanto orgulho a ele e dará a mim também. Pergunta-se ao colega da moça de vestido rosa-choque por que ele a xinga com tanta euforia e ele responde: porque todos estão fazendo, porque é muita adrenalina ver o circo pegar fogo...desde que não seja comigo rsrsrs”. O modelo de comportamento então ganha ares de mito e passa de geração para geração”.

Gean prossegue em sua reflexão “Tolerar é aprender a agir da mesma forma com o diferente e com o igual. Se assim não o é, o que somos então? Apenas cruzamento da herança genética dos pais com a herança de arquétipos cultuados pela humanidade? Se a tolerância for deixada de lado, as minhas escolhas serão fruto do passado e o futuro será sempre uma cópia daquele? E vejam como as coisas são predispostas a se tornarem cíclicas: a moça com seu vestido curto foi acusada de quebra de decoro que gerou uma catarse coletiva que foi acusada de falta de tolerância por uma quantidade imensa de internautas e cidadãos em geral. Esta massa - que condenou os alunos condenadores da moça - se transformaram em outra catarse coletiva generalizando todos os estudantes daquela instituição. É inevitável não retomar ao questionamento de que lado está o bom senso? Aliás, ele está de algum lado? Schopenhauer disse certa vez que as pessoas deveriam seguir o exemplo de comportamento do porco-espinho: se ficasse muito perto dos seus semelhantes, morria espetado; se ficasse muito longe, morria de frio”

Não podemos esquecer que vivemos em um mundo globalizado, nossas fronteiras não são mais territoriais, as distâncias diminuíram, precisamos adaptar nosso cérebro biológico ancestral de 100.000 anos que almejava manter o bando unido para poder obter comida, abrigo e se proteger das tribos inimigas, para nosso cérebro cultural que visa manter uma unidade com a sociedade do mundo todo, pois continuamos a buscar uma maneira de sobreviver em um mundo novo, como estímulos novos. E, mais que isso, devemos ver a humanidade como um grande clan que busca a sobrevivência da sua espécie e de todo o planeta, precisamos nos unir para nossa saúde, para saúde da nossa sociedade e para saúde do nosso planeta.


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