sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Mariana/Mg, 2015: Rompimento da fidelidade entre homem e natureza

 

Por Bianca Karina Simon; Kamila Henning Rossato da Costa; Letícia Pinholato e Vitória Sousa da Silva

 





Em 5 de novembro de 2015, na cidade de Mariana/MG, o Brasil assistiu a um ecocídio após a intervenção humana na localidade: o rompimento da barragem controlada pela Samarco Mineração S/A Além dos dezenove mortos, três desaparecidos e vários sentimentos de desespero com olhares tristes, via-se o maior desastre ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos com um volume total despejado de mais de 40 milhões de metros cúbicos, conforme afirmado por Mônica Tarantino. No final do dia do ocorrido, a lama oriunda do rompimento das barragens atingiu o Rio Doce. Além disso, a lama tóxica – em decorrência do rompimento – percorreu mais de 600 quilômetros até o mar, devastando comunidades, ecossistemas e modos de vida. 

A tragédia de Mariana ilustra o fracasso do paradigma antropocêntrico que a Bioética, desde sua fundação pelo bioquímico norte americano Van Rensselaer Potter (1970), busca superar. A Bioética Ambiental nasce da necessidade de unificar a ética médica à ética ecológica, exigindo que os deveres do ser humano para com o planeta sejam reavaliados. Neste contexto, surgem correntes como o Ecocentrismo e a Biofilia que se consolidam como perspectivas futuras para a inovação e aplicação de um Direito mais alinhado com a vida. Ao analisar o contexto referente ao presente caso, verificamos que os agentes morais, além da empresa Samarco, são os Entes Federativos – especialmente o estado e município – visto a concordância da exploração do minério. Contudo, configuram-se como pacientes morais aqueles que sofreram as consequências pelos danos, por suas vezes, mesmo que indiretamente. O Rio Doce figura como paciente moral principal, visto que perdeu sua vitalidade e capacidade de regeneração, seguindo das populações do município de Mariana, as ribeirinhas, indígenas, animais e o próprio ecossistema do meio ambiente. Porém, a urgência de sua devastação exige um avanço civilizatório, que o promova de paciente a sujeito de direito[MF6] , conferindo-lhe a capacidade de ter sua dignidade intrínseca protegida, para além da utilidade humana. Historicamente, o princípio da fidelidade se destacou na Bioética Principialista[MF7] , embora não seja um dos quatro princípios primários (autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça) propostos por Beauchamp e Childress [MF8] em 1979. Na área da saúde, ele representa o dever de lealdade e confiança do profissional de saúde para com o paciente. Por outro lado, na Bioética Ambiental, este princípio é transposto para o contexto ecológico. 
      O caso do Rio Doce enquadra-se no conflito envolvendo os valores de fidelidade (princípio da fidelidade) entre homem e natureza. Vislumbra-se a exigência constante da confiança mútua entre ambos. Ocorre que, a infidelidade ocasionada pelo rompimento da barragem traduz-se em negligência, omissão e exploração predatória objetivando exclusivamente o mercantilismo. Ao abordar a tragédia do rompimento da barragem, verifica-se que se trata não apenas de problemas técnicos, mas também éticos, visto que se rompeu a fidelidade entre homem e natureza, um por visualizar inúmeras consequências à sua vida – destacam-se as perdas – e outra por perder sua capacidade de regeneração . No livro “O contrato animal”, o biólogo, zoólogo e etólogo britânio Desmond Morris (1990), questiona se o homem não está predestinado ao “fim” como ocorreu com os dinossauros. Segundo o autor, devido ao rompimento de um acordo primordial entre a espécie humana e a natureza, nós passamos a explorar o meio ambiente em vez de viver em harmonia com ele, como ocorre no caso de que se trata esse ensaio. Por outro lado, a biofilia, conceito desenvolvido pelo biólogo e entomólogo Edward O. Wilson, sustenta que o ser humano possui uma tendência inata a se conectar com as formas de vida e com o ambiente natural. Essa ligação é biológica e emocional: nossos processos fisiológicos, mentais e até genéticos são moldados em interação com o mundo natural. Por mais que a tecnologia avance, permanece no ser humano a necessidade essencial de retornar à natureza como forma de reconectar-se à própria origem e restaurar seu equilíbrio interior. 
            O rompimento da barragem não apenas afetou a paisagem, como transmitiam os jornais e mídias, mas desestruturou o equilíbrio humano. As consequências dessas tragédias afetaram diretamente a saúde de muitas pessoas , não apenas das que residiam no local. A biofilia, enquanto impulso inato de conexão, serve como fundamento psicológico para a exigência do princípio da fidelidade. Ou seja, se a Natureza é parte essencial da nossa saúde, a infidelidade com ela é um ato de autodestruição, pois o adoecimento do ecossistema é o adoecimento do ser humano. O acordo homologado pelo STF objetivando a reparação do Rio Doce pela Samarco traz uma reflexão quanto ao reconhecimento do rio como sujeito de direito, ainda que judicialmente controverso, contudo, demonstra um avanço civilizatório, pois reconhece que a natureza possui valor intrínseco. Entendemos que esse valor significa a autonomia da dignidade por ser natureza e não apenas o que ela possui de valores para oferecer ao ser humano. E, portanto, vislumbra uma importância de capacidade civil igualitária entre as partes (natureza e humana), capaz de gerar reparação de danos e, quiçá, a visão da natureza além de bem disponível ao uso do ser humano. Todas as formas de vida são dignas de respeito e possuem seu valor, pois todas fazem parte do conjunto que proporciona um equilíbrio ecológico para sustentar as vidas das espécies. O caso da tragédia de Mariana é um exemplo infeliz de colapso na fidelidade entre natureza e ser humano. Apesar de ser considerada a maior tragédia ambiental da história, temos que analisar as ínfimas ações do ser humano com a natureza e reafirmar a lealdade moral e ecológica envolvendo o equilíbrio da vida. Infelizmente, outros casos de infidelidade entre homem e natureza estão muito próximos do nosso contexto de vida, como é o caso do Rio Belém (Curitiba – PR) e de outros rios que se localizam em regiões urbanas. Historicamente as cidades cresceram as margens de rios para se utilizar dos recursos destes, criando uma conexão forte e fiel entre humanos e rios. Porém, embora as necessidades de recursos para a vida humana fossem supridas pelos rios, o ser humano, por interesses próprios, quebrou a fidelidade dessa conexão e passou a destruí-los através da poluição e da contaminação dessas fontes de água. 
            A verdadeira reparação dos rios não está apenas e exclusivamente em um acordo financeiro, mas na restauração da confiança e renovação do vínculo com a natureza. A defesa de que o rio seja reconhecido como Sujeito de Direito não é apenas um artifício legal, mas a formalização ética desse dever de fidelidade, garantindo que a nossa necessidade biofílica de um rio vivo e saudável seja legalmente inegociável para as gerações futuras. Sob a ótica da Saúde, o reconhecimento do Rio Doce (e de outros rios) como sujeito de direito é a solução consensual que explica a interdependência “Saúde do Rio = Saúde Humana”. A infidelidade ao Rio Doce resultou em doenças físicas e psicossociais nas comunidades. Portanto, nós como futuras bioeticistas acreditamos que a única forma de garantir a saúde e o bem-estar das populações atingidas e futuras é dar ao rio o direito legal de existir e fluir com integridade, transformando a proteção ambiental em uma política pública de saúde prioritária e inegociável.

Esse ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental tendo como base as obras de Van Rensselaer Potter (Bioethics: Bridgeto the Future - 1970), Beauchamp e Childress (Principles of Biomedical Ethics - 1979), Desmond Morris (O contrato animal - 1990) e Edward O. Wilson (Biophilia – 1984). Utilizado Inteligência Artificial para revisão de ortografia e geração da ilustração presente no texto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário