Série Ensaios: Bioética Ambiental
Por Erica Cristina Bueno do Prado Guirro e Angela Palacio
Médica
Veterinária e Docente e Bióloga
Segundo o filósofo Peter Singer, senciência é a capacidade de sofrer e de sentir alegria de forma consciente. Ao admitir a senciência em animais surge a ética senciocêntrica, que rompe com o pensamento antropocêntrico tradicional e garante aos animais sencientes status moral.
Apesar disso, frequentemente o ser humano ainda se coloca como a espécie mais importante, capaz de dominar outras espécies para atender suas necessidades, o que torna o ser humano o maior dos predadores. Assim, os animais que são seres sencientes percebem que ocupam o lugar de presa em potencial e se afastam e se escondem da vista humana para evitar maiores riscos.
Em um território livre da presença humana, os animais convivem em equilíbrio. Quando o ser humano decide ocupar esse território, acaba fazendo com que os animais se desloquem de seu habitat natural, pois a presença humana representa grande risco à sua permanência e reprodução.
Todavia, o confinamento das pessoas decorrente da pandemia de COVID19 permitiu que os animais experimentassem viver sem a ameaça humana e reocupassem seus habitats momentaneamente.
Durante as fases mais intensas de lockdown, foi possível observar uma mudança no padrão de comportamento dos animais selvagens que vivem próximos aos centros urbanos, o que deixou claro a interferência da atividade humana sobre a vida selvagem.
Diversos jornais ao redor do mundo noticiaram que a diminuição do número de pessoas em ambientes essencialmente urbanos deu aos animais uma rara oportunidade de experimentar a vida livre do risco de se ter humanos por perto.
A significativa redução do turismo também beneficiou a vida animal, favorecendo reprodução animal em zoológicos e no ambiente selvagem.
No Brasil foi verificada a visita de cardumes muito grandes de sardinha. Os cardumes sempre estiveram presentes, mas há anos não se via cardumes de volume tão grande.
Certamente, essas observações comprovam como a presença humana interfere negativamente na vida animal selvagem e que é urgente que se repense a vida no planeta: este é o endereço de ampla biodiversidade e não apenas a casa do ser humano.
A bioética ambiental assume extrema relevância nessa abordagem, pois o equilíbrio, o respeito, a educação e o comprometimento com a vida no ecossistema são a único meio de manter a vida no planeta, incluindo a humana, já que atitudes antropocêntricas já mostraram insustentáveis a longo prazo.
O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Bioética Ambiental do PPGB, tendo como base as obras:
COIMBRA, D.; RECH, A.U. A superação do antropocentrismo: uma necessária reconfiguração da interface homem-natureza. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v.41, n.2, p.14-27, 2017.
FELIPE, S.T. Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: Perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não humanos. Revista Páginas de Filosofia, v.1, n.1, p.2-30, 2009.
MEDEIROS, G.D.S. Ética, igualdade e defesa dos animais em Peter Singer. Revista Instante, v.2, n.1, p.22–41, 2020.
OLIVEIRA, G.D. A teoria dos direitos animais humanos e não-humanos, de Tom Regan. Ethica, v.3, n.3, p.283-299, 2004.
TOMAZ, C.; GIUGLIANO, L.G. A razão das emoções: um ensaio sobre “O erro de Descartes”. Estudos de Psicologia, v.2. n.2 p.407-411, 1997.
WASEM, F.; GONÇALVES, N.O. Bioética Ambiental: Pensando uma nova ética para as relações entre homem e natureza. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, n.54, p.127-148, 2011.
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