A Crise hídrica e a Alteridade

 

Série Ensaios: Bioética Ambiental

 

Por Esther Barbosa de Araujo e Liliane Mayumi Swiech

 Licenciada em Ciências Biológicas e Médica Geriatra Paliativista

 

A crise hídrica nunca foi um tema tão em voga quanto em 2021. No Paraná há vários municípios em Estado de Alerta e outros já no sistema de Racionamento. A crise afeta a população na totalidade, pois diante da escassez de água há dificuldade em manter as atividades básicas do dia a dia, sem contar a influência negativa sobre as plantações e criações de animais. Estamos diante da pior crise hídrica dos últimos 91 anos, consequência do aumento do consumo de água, do uso inadequado de recursos, mau uso dos mananciais e seus solos, e escassez do nível de chuvas.

Historicamente, o Brasil depletou cerca de 15,7% de sua superfície de água nos últimos 30 anos. No ano de 2020 este déficit equivaleria a 16,6 milhões de hectares. Assim, os reservatórios nunca estiveram tão baixos e as mudanças nunca foram tão urgentes. Diante disso, propõe-se fundamentar o problema da crise hídrica pautado no princípio bioético da Alteridade.

O princípio da Alteridade tem seu marco a partir do filósofo Emmanuel Levinas em 1974. Nela, o outro ocupa lugar de prioridade, mesmo diante de uma relação não recíproca. Seguidamente, muitos outros autores discutiram este tema, como o filósofo Buber em 1979, o filósofo Dussel em 1984, o teólogo Susin em 1987, a psicóloga Zanella em 2005.Todos concordam que a individualidade é uma grande causadora de crises. Ao enaltecer o conceito da Alteridade, ressalta-se o senso de responsabilidade pelo outro, e isso corrobora para o desenvolvimento de ações responsáveis.

Assim, conforme a ministração da disciplina da Bioética Ambiental, chegamos à conclusão de que podemos ferir o princípio da alteridade quando não pensamos no uso adequado e consciente da água, no sentido de que outros indivíduos também precisam usufruir desse bem natural, sendo esse recurso finito. Portanto, podemos agir nessa situação como agentes morais, tomando decisões que afetam terceiros, podendo ser também pacientes morais, já que outros podem tomar decisões sobre o uso da água que nos afetam e levam a crise hídrica e racionamento da água.


É possível inferir também que ao não tomarmos responsabilidade sobre nossa participação no mundo, ferimos o princípio da alteridade, ou seja, são necessárias tomar ações pensando no bem coletivo e não no benefício individual. Assim, estaríamos agindo de forma responsável ao realizar a participação consciente na sociedade visando políticas que vão de encontro com pautas ambientais, políticas de inclusão e pensamentos conforme a alteridade, para considerarmos o outro.

Nós, como futuros bioeticistas, concordamos que o princípio da alteridade pressupõe também que o “eu” não existe sem o “tu”, ou seja, sem as relações psíquicas, sociais, afetivas que estabelecemos com o outro, não existimos. Nesse sentido, a coexistência de pessoas em uma mesma sociedade, a coexistência de diferentes formas de vida na terra, de diferentes ecossistemas depende do princípio da alteridade e do entendimento de que sozinhos não há vida para nós e nem para o outro. Portanto, realizar medidas que considerem o outro e a coletividade como, por exemplo, ser consciente sobre uso da água, evitar desperdício e tomar ações que condizem com esse princípio, traz a possibilidade de manter uma vida estável para o 'eu' e para todos.

Nossa contribuição para o mundo no sentido da crise hídrica e se propondo a não ferir o princípio da alteridade seria o uso consciente do recurso hídrico, evitando o desperdício, alternativas do uso da água, exigência da modificação que os sistemas de produção atual possuem, conscientizar as demais pessoas acerca da crise hídrica e do recurso finito da água. Tudo isso considerando que não existimos sozinhos no mundo e precisamos contribuir para o outro e vice-versa. 

 

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental do Programa de Pós Graduação em Bioética (PPGB), tendo como base as obras:

 

Modelli, L. (2021). Brasil perdeu 15% dos seus recursos hídricos em 30 anos, uma perda de quase o dobro da superfície de água de todo o Nordeste. G1 Notícias. https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/08/23/brasil-perdeu-15percent-dos-seus-recursos-hidricos-nos-ultimos-30-anos-uma-perda-quase-o-dobro-da-superficie-de-agua-de-todo-o-nordeste.ghtml

Ribeiro, V. (2021). Brasil enfrenta a pior crise hídrica em 91 anos. Radio Agência Nacional. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2021-09/brasil-enfrenta-pior-crise-hidrica-em-91-anos#:~:text=O Brasil enfrenta a pior,59%25 da capacidade esta semana.

 Bonis, M. de. (2009). Ética da alteridade nas relações entre Biossegurança em saúde e Bioética. Ciências & Cognição, 14(3), 92-102–102.

Hossne, W. S.; Segre, M. (2011). Dos referenciais da Bioética – a Alteridade. Revista - Centro Universitário São Camilo;5(1):35-40

Mendes, A. A. P., Burcii, L. M., Stigar, R., Hauer, R. D., Moraes, S. H., & Ruthes, V. R. M. (2016). O princípio da alteridade como pressuposto para a bioética clínica: em busca de novos aportes epistemológicos. Thaumazein: Revista Online de Filosofia, 10(19), 55–66. https://www.periodicos.unifra.br/index.php/thaumazein/article/view/1817/pdf

RPC Cascavel. (2021). Crise hídrica: Paraná tem 13 cidades em estado de alerta e outras 18 com racionamento de água. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2021/09/07/crise-hidrica-parana-tem-13-cidades-em-estado-de-alerta-e-outras-18-com-racionamento-de-agua.ghtml. >  Acesso em 08 de novembro de 2021

Segre, M. (2011). Dos referenciais da Bioética – a Alteridade. 5(1), 35–40. Disponível em: https://saocamilo-sp.br/assets/artigo/bioethikos/82/Art04.pdf