Marta Luciane Fischer e Selene Elifio-Esposito*
A interconexão entre os componentes bióticos (seres vivos) e abióticos (fatores físicos, químicos e geológicos do ambiente) constituintes do meio é um aspecto essencial da ecologia. Nas cidades – da mesma forma como ocorre nos ambientes naturais –, plantas, animais e seres humanos coabitam e interagem entre si e com o meio urbano. A globalização e as novas organizações econômicas e sociais evidenciam a quebra das barreiras geográficas entre os indivíduos, ampliando o espectro de saúde necessário para garantir a sobrevivência individual. Num contexto de pandemia, fica ainda mais evidente a necessidade constante do desenvolvimento de estratégias em busca do equilíbrio nas relações entre os habitantes dos ambientes urbanos.
As pandemias permeiam a história das civilizações, enquanto a
busca pelo enfrentamento e combate às doenças transmissíveis foi um forte impulsionador
do desenvolvimento científico e tecnológico nas áreas médica e biológica. O
conhecimento dos processos biológicos de interação dos microrganismos
patogênicos com o organismo humano, por exemplo, levou ao aprimoramento na
identificação e enfrentamento de doenças que permitiram a duplicação da
expectativa de vida nos últimos 100 anos. Ocorre que apenas conhecimento e
tecnologia não são suficientes para que o acesso seja equitativo a toda a população,
considerando a amplitude local e global.
A concepção de saúde global tem três níveis de conexão: a) corpo/mente/espírito; b) indivíduo/sociedade/ambiente; c) local/global. Essas conexões retroalimentam os processos que imputam resistência e resiliência aos organismos e permitem que eles enfrentem os agentes agressores. Esses processos são naturais e conhecidos e praticados por culturas ancestrais e tradicionais. Vale, assim, destacar que o distanciamento do ser humano da natureza, da sociedade e de si mesmo, motivado por um novo arranjo estrutural de sua própria sociedade, com o rápido estabelecimento dos centros urbanos, desafiou os próprios processos de seleção natural.
Devido à sua natureza biológica, potencializada pelo processo
civilizatório, as pandemias encontram na ecologia urbana e nas cidades
ecointeligentes um espaço para pesquisa científica, desenvolvimento de
tecnologia para enfrentamento e mudança de condutas para prevenção. Entender os
cidadãos como um dos elementos componentes de uma complexa teia de conexões é o
primeiro passo para motivar o conhecimento do impacto e do potencial dessas mesmas
conexões.
Desta forma, a cidade ecointeligente transpõe e busca, de maneira
inovadora e prática, de meios de proporcionar ferramentas para o cidadão
assumir a responsabilidade e o protagonismo nas decisões individuais em
consonância com interesses coletivos e em prol de um futuro factível.
A situação vivenciada com a pandemia da Covid-19 tem nos colocado
de frente com inúmeras limitações técnicas, sociais, políticas, econômicas e
pessoais que impedem a concretização de uma cidade sustentável, justa e que
tenha como valor a qualidade de vida de todos seus habitantes, sejam eles
pessoas, animais ou plantas – desta ou de futuras gerações.
* Marta Luciane Fischer e Selene Elifio-Esposito são
coordenadoras da especialização Ecologia Urbana:
Construindo a Cidade Ecointeligente, da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR).
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Esse texto foi veiculado no Estadão 18.3.21 (Link)