Por Marta Luciane Fischer
Docente do Programa de
Pós-Graduação em Bioética PUCPR
Nos últimos meses tem sido veiculado nas redes
sociais notícias de diferentes nações - Inicialmente a Argentina
e mais recentemente a França
- se posicionado com relação à existência da sensciência animal - ou seja a
capacidade de sentir sofrimento e prazer. Embora o Equador
tenha sido pioneiro em considerar a Natureza como sujeito do direito em sua
constituição - o espanto do posicionamento do parlamento francês é decorrente
de um país com um código civil conservador concordar em alterar o estatuto
legal dos animais que passam de “bens móveis” para “sujeitos do direito”. Os animais historicamente são considerados
como propriedade do ser humano e tratados sob uma ética antropocêntrica. Contudo
a partir do final do século passado a legislação da maioria dos países tem se
apoiado em uma ética utilitarista
bem-estarista e elaborado leis que protegem esses animais contra crueldade,
permitindo a utilização dos mesmos para benefício humano desde que não haja alternativa
e desde que o seu bem-estar seja preservado. Porém, movimentos contemporâneos pautados
em correntes éticas biocêntricas, ecocêntricas
e abolicionistas
apoiadas em novas descobertas da etologia e da neurociência
têm direcionado o olhar da academia, legisladores e da sociedade para o fato
que os animais possuem consciência e sentimentos - fato que qualquer cidadão
que conviveu o mínimo com animais já sabia. Em 2012 renomados cientistas de
diferentes nacionalidades assinaram um manifesto
atestando a existência de consciência nos animais, essa iniciativa somada com a
pressão de ativistas - que cada vez mais ganham espaço no meio acadêmico e
político - tem gerado situações polêmicas como pedidos de habeas
corpus para animais cativos e movimento para reconhecimento
de baleiras e golfinhos como sujeitos do direto. O Brasil reflete o cenário
internacional, enquanto do código civil reconhece o animal como propriedade, a lei de crimes
ambientais protege-os de atos de crueldade e a lei
Arouca regulamenta o uso de atividades acadêmicas e de pesquisa. Mesmo
assim, a sociedade tem se mobilizado em prol de penas mais severas e
específicas como para abandono,
uso em rituais
religiosos e zoofilia. A
questão é o que significa de fato para a sociedade os animais serem capazes de
sofrer. Para a Bioética a partir do momento que se reconhece o sofrimento como
algo indesejável, é imoral proporcionar sofrimento para quem é capaz de sofrer.
Assim, causar sofrimento - ressalta-se aqui que não apenas físico, mas também
mental – seria imoral e ilegal. Mas será que apenas a constatação científica e
a imposição legal é suficiente? Pois é notório que os humanos sabem que outros
humanos têm sentimento, e essa compreensão não é suficiente para evitar causar
sofrimento no outro. Lógico que quando uma nação com tanta repercussão internacional
toma uma medida inovadora como essa, deixa a expectativa de reforçar as
discussões que pontualmente vêm ocorrendo em outros países. Mesmo porque diante
de uma nova concepção também virá novas demandas de como tratar e usar os
animais, assim como aconteceu com os escravos, é possível que surjam
legislações que regulamentem o serviço prestado pelos animais - como já ocorre
em alguns segmentos como cãos-guia. Também tem-se a expectativa que o uso de
animais injustificável, como no caso do entretenimento, seja totalmente
abolido. E que a inclusão inicial de animais como os vertebrados superiores -
mais próximos dos humanos - seja ampliada para outros animais como insetos e crustáceos.
Não há dúvidas de que estamos presenciando um grande avanço e que trará
necessidades de grandes ajustes. Contudo, não tem como negar que a efetividade
demanda adesão da sociedade obtida pela educação e meios formadores de opinião e
que tenham esse posicionamento ético incorporado no seu rol de valores pessoais
não por imposição, mas por convicção.
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