Resgate dos Beglaes: Eu Não Concordo, mas eu entendo...






Novamente um fato predomina nos noticiários, caixas de e-mail, redes sociais e comentários por todas as partes... é como uma onda que conecta pessoas convergindo olhares pra uma questão. Na sexta-feira (18/10/13) ativistas invadiram o Instituto Royal de pesquisa e libertaram os Beagles dos “cruéis” testes de laboratório. Obviamente que tudo muito bem organizado pelas redes sociais, documentado, com muitas imagens, fotos que se espalharam rapidamente. O objetivo desses movimentos é se fazerem ouvidos, e sem a menor sombra de dúvida que a ação foi um sucesso, independente das consequências legais. Segundo informação da mídia o Instituto já estava sendo investigado há um ano por maus-tratos, mas a possível multa que eles receberiam iria ter muito menos impacto na sociedade do que invadir, quebrar e resgatar os cães. Ressalva-se que O instituto Royal é uma OSCIP regulamentada, com todas as documentações legais e de credibilidade cientifica. O que leva a crer, que a questão não era o que ocorria aquele local em especial, mas sim, a mobilização para chamar a atenção para um tema que quer ser discutido pela sociedade, e sem a menor dúvida uma ação bem estruturada, gera um grande impacto, tal como estamos vivenciando. 

O uso de animais em experimentação é um tema extremamente polêmico, e esse dilema ético permeia a própria história da humanidade. O homem se viu dependente da exploração animal para alcançar seu próprio desenvolvimento tecnológico e cientifico e desde da era clássica temos argumentos contra e a favor. Os grandes marcos históricos foram o Renascimento e a Revolução industrial. O primeiro, marcou pela busca do rigor metodológico nos estudos científicos e a disseminação da ideia de que os animais não eram capazes de sentir dor e que era um pecado para qualquer cientista sério atribuir emoções aos animais, devendo evitar a todo custo o antropomorfismo. Já a industrialização, marcou a aplicação dos conhecimentos no aprimoramento das tecnologias e desenvolvimento econômico das sociedades modernas, demandando cada vez mais animais, tanto para alimentar uma população que crescia exponencialmente, quanto para validar medicamentos, cosméticos e demais produtos utilizados por essa população que se aglomerava nos centros urbanos, mudando a estrutura e funcionamento social. Não há a menor dúvida que logramos feitos admiráveis: a exploração energética, o desenvolvimento de computadores, a nanotecnologia, a exploração espacial, mas isso a um custo ambiental e cultural elevadíssimos, o qual, apesar do alarde de algumas pessoas, era negado pela maioria daqueles que estavam no poder e pelas massas. 
Do outro lado estão as pessoas que são empáticas com os animais e mais sensíveis à exploração mediada pelo mundo capitalista. Essas pessoas representam uma parcela da sociedade que se sente oprimida e vulnerável diante da imposição de regras pela economia ou pelo conhecimento acadêmico e que quase nunca são ouvidas e que precisam gritar para impor a sua opinião. Certa vez li o depoimento de um ativista - muito atuante no cenário internacional - de como foi sua a entrada nos movimentos pró animal. Ele era um militar e estava na guerra, uma pessoa extremamente dessensibilizada diante das terríveis situações as quais era imposto. Um dia uma bomba caiu sobre um cavalo, e o animal em chamas passou na sua frente, e em uma fração de segundos seus olhares se cruzaram e ele compreendeu a informação transmitida, era como se o cavalo lhe dissesse "o que eu fiz para merecer isso?' "Você não vai fazer nada pra me ajudar?" e a partir desse dia ele mudou para sempre a sua missão, a partir daquele momento ele seria a voz dos animais. Quando eu li esse relato, algo também mudou em mim, embora sempre tenha tido empatia por animais, nunca havia pensando que algumas pessoas seriam de fato a ponte entre esses dois universos, cuja a ideia original da natureza não era que estivessem separados. É muito difícil para uma pessoa que já alcançou um nível de compreensão se calar diante de situações insustentáveis. Contudo devemos ressaltar que as condutas éticas com relação aos animais, além de uma relação com a personalidade, tem a haver com a espécie do animal e o que ele representa. O Instituto Royal, assim como as demais instituições de pesquisa, realiza cerca de 90% de suas experiências com roedores, nos quais são testados os procedimentos mais invasivos, nos cães e primatas são realizados os últimos testes, antes da liberação do produto – ressalva-se com a determinação das agências regulatórias, que apenas agora passa a considerar a substituição por métodos alternativos (Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos - Bracvam). Contudo, em nenhum momento da ação, ouvi falarem sobre os ratos, ou libertarem os ratos, embora tenha aparecido suas gaiolas nas reportagens. Sem dúvida, resgatar os fofos e inteligentes beagles gera muito mais comoção pública e apoio para suas ações.  Porém, destruir pesquisas em andamento, significa que tudo que esses animais já viveram, foi em vão. Além disso, é necessário questionar se esses animais têm condições de serem animais de estimação, cuja campanha para adoção já começou na internet.  

A busca internacional para regulamentar o uso de animais para finalidade acadêmica ou científica, conter os abusos e principalmente estimular a postura ética por parte daqueles que têm os animais como seus objetos de pesquisa conduziu a exigência legal de que instituições que usam animais estruturem comitês científicos (CEUA) que são regulamentados por um órgão federal denominado de CONCEA que publicou no mês passado resoluções normativas extremamente detalhadas que servem como diretrizes para manutenção e manipulação dos animais (veja aqui), visando em um primeiro momento a eliminação de qualquer sofrimento físico ou mental daqueles animais que ainda são imprescindíveis e cujo benefício para ciência supera os custo de suas vidas, e concomitantemente incentivam e a busca de alternativas para substituir os animais. Uma das questões mais importantes, ao meu ver, desta lei, é a composição desses comitês. Os ativistas radicais, dizem que os CEUAS, servem para endossar as práticas “cruéis” que são feitas com os animais atrás dos muros das instituições de pesquisa. Contudo, a lei prevê que o comitê deve ser composto por um membro de uma ONG legalmente constituída, representando a sociedade civil, ou na impossibilidade deste, um representante da sociedade, que não trabalhe com animais, para que seja seus os olhos e a sua voz.  Por incrível que pareça, essa é a maior dificuldade dos CEUAS, pois os representantes das ONGs alegam que não terem tempo, recursos e interesse em participar das reuniões. Essa realidade torna questionável a atitude de ativistas que chamam a atenção com gritos e destruição, porém que não se mobilizam nos locais que de fato, suas opiniões são importantes para mudar as coisas.  O primeiro passo para uma tomada de decisão consciente a respeito de uma questão ética, é o conhecimento, por isso acho extremamente importante a inciativa de ONGs como a PETA quando publica a lista de empresas que testam ou não em animais.
Eu sou cientista, estou na academia, faço pesquisa não invasiva com animais, visando compreendê-los para que em algum momento possa contribuir para uma existência melhor para todos. Assim como tenho empatia com as plantas e animais, tenho também pela humanidade e acredito que atingimos um ponto de comodidade que é muito difícil retroceder. Mas também acredito que é justamente nos momentos de crise em que crescemos. Em nenhum momento da história da humanidade após o Renascimento e o Iluminismo, os animais estiveram em uma posição como está agora, amparado pela legislação e apoiado pela sociedade que se mobiliza para que haja uma revisão do seu status moral.  Os dilemas éticos devem ser resolvidos com consenso, enquanto devemos direcionar nossa criatividade para busca de alternativas e, enquanto não alcançamos a total possibilidade de substituição, devemos estabelecer regras de conduta de como tratar os animais que estão sob nossa tutela e respeitar ao máximo aqueles – mesmo contra sua vontade - justificam a sua existência para nos ajudar.