Já profetizava
Leonardo
da Vinci no século XVI: “Chegará o dia em que os homens conhecerão o íntimo
dos animais; Neste dia, o crime contra o animal será considerado, um crime
contra a humanidade”, o que me leva a questionar se ele é quem que estava muito
além do seu tempo ou se nós que estamos muito atrasados....
Você toma
decisões? É lógico que sim! diariamente
são milhares de decisões que nos permite exercer o nosso livre arbítrio que nos
gera tanto orgulho de sermos humanos. Contudo, as suas decisões beneficia um em
detrimento do outro? Caso sim, estamos diante de um dilema ético. E agora? Qual
dos lados deve pesar mais? Quase que a totalidade das pessoas usa como
referencial as suas necessidades, preferências, desejos e conforto para tomar
as decisões. Então estamos diante de um conflito de interesses. E quem advoga
pelo outro lado, quando este é mais vulnerável e possui menos força? Como seria
uma queda de braços entre um ser humano e um animal?
Houve
um tempo em que humanidade fazia parte da natureza e esta era grande e devia
ser respeitada. O homem e os animais possuíam um contrato natural que eles até
poderiam se usar, servirem de comida ou de hospedeiro, porém todas as presas
tinham uma chance de escapar. Havia um crescimento ordenado e cada qual tinha
suas oportunidades de sobreviver e evoluir. Mas os seres humanos evoluíram sua
capacidade de compreensão dos fenômenos naturais, desenvolveram a
previsibilidade do futuro, e passaram a acreditar que assim poderiam dominar a
natureza. Alguns poucos anos (em torno de 200.000) o homem inventou as
ferramentas, dominou o fogo, criou a linguagem simbólica e alcançou a
construção de ferramentas incríveis que o capacitou a dominar tanto a
nanotecnologia, quanto a ocupação do espaço. O homem já não é uma espécie que
se adapta ao ambiente, mas sim adapta o ambiente a si. Ao longo dessa história
de sucesso tecnológico, o homem também aprimorou e transformou as suas relações
sociais e partiu de grupos de cerca de 150 pessoas para a convivência em uma
aldeia global de 7 bilhões de habitantes em cerca de 100 anos. Se há pouco
tempo as regras morais eram suficientes para coibir determinadas atitudes,
agora que se misturaram culturas, crenças e condutas, as regras morais já não
dão conta de coibir os seres humanos em busca de avanços cada vez mais
surpreendentes. Por vezes alguns grupos sociais se mobilizam em prol da
natureza, dos animais e dos vulneráveis a esse ser humano guiado pela sede de
desenvolvimento econômico, que se tornou gigantesco. Contudo, esses grupos são
ridicularizados e sucumbem diante da resistência das massas e daqueles que
estão no poder. Novas ferramentas surgem, então, para permear essa relação. A
Bioética Ambiental é uma dessas ferramentas, visando promover o diálogo entre
todos os envolvidos em dilemas éticos, tendo a educação ambiental como aliada
na tarefa de informar, sensibilizar e conscientizar. Mesmo assim, ainda se questiona
se a empatia que certas pessoas demonstram com os animais e a natureza é inata
ou pode ser desenvolvida pela educação.
Os
grandes norteadores da modificação da relação do homem com a natureza foi o
advento da agricultura,
momento em que o homem passou a exercer mais diretamente o seu controle sobre
plantas e animais. Os filósofos
gregos usaram os animais para aprimorarem seus conhecimentos a respeito da
anatomia, com intuito de subsidiar o conhecimento do próprio homem e o
aprimoramento da medicina e da ciência. Contudo a idade medieval voltou a estabelecer
uma relação mais orgânica entre o homem e natureza. Aos animais, permeado por
muita magia, era atribuído inclusive consciência e autonomia de seus atos.
Em seguida a revolução
científica, o renascimento,
o iluminismo,
marca a era do cartesianismo e o desenvolvimento do estudo metodológico, sendo
o papel dos animais essencial para experiências invasivas, pautadas na crença
de que os animais não tinham a capacidade de sentir dor, logo livrando os
cientistas de qualquer dilema moral. Descartes figura
como o principal nome na divulgação dessa ideia, a qual foi prontamente aceita
pela comunidade científica e, ainda hoje, defendida por muitos acadêmicos. O
avanço do estudo do comportamento animal e da neurociência tem lentamente
mudando esse cenário e nos encaminhando para um novo momento da ciência, a
comprovação que os animais não apenas sentem dor, como possuem emoções e
consciência análogas à nossa, as quais divergem quantitativamente, mas não
qualitativamente.
A
relação entre o homem e a natureza está em crise, o desenvolvimento científico
e tecnológico da humanidade atropelou os direitos intrínsecos dos outros seres
vivos de poderem desfrutar a sua existência. Surge, assim, na década de 1970 a Bioética
Ambiental, questionando as consequências das ações do homem e levantando a
reflexão sobre o compromisso ético, e a necessidade uma nova ética que depende das
relações estabelecidas em sociedade, da leitura que se faz da natureza e do
valor que lhe são atribuídos, levando a humanidade reexaminar seus valores e
promover o desenvolvimento
sustentável.
A
primeira linha ética que permeia a relação do homem com a natureza é a ética antropocêntrica
a qual, originária das filosóficas clássicas, percebe o homem como gestor e
usufrutuário do planeta e que prioriza os interesses econômicos, científicos,
estéticos, mesmo quando defende a natureza, da qual pode ser visto como
guardião. Os defensores dessa ética acredita piamente na capacidade do homem em
gerar tecnologias que supere todos os problemas gerados com a sua evolução.
Durante
os séculos de desenvolvimento científico, algumas vozes se levantaram em defesa
dos vulneráveis animais, contudo, eram muito tênues diante de tanta glorificação.
Dentre essas vozes uma foi mais forte, a de Jeremy Bentham, logrando
o desvio de olhares para uma possibilidade de expandir o universo moral do
homem para os outros animais. Mas foi apenas agora no século XX que Peter Singer usando desses mesmos
princípios conseguiu se fazer ouvido a partir da publicação do livro
“Libertação animal”. Porém ambos defendiam a ética utilitarista,
na qual considerando que os animais sentem dor, causar dor aos animais seria
imoral. Porém, consideram que alguns animais podem ser usados para alimentação
ou aprimoramento científico, desde que sejam tratados com respeito e
cuidado. A partir dessas ideias
desenvolve-se a ciência do Bem-estar
animal, adotada por cientistas e agricultores que visam melhorar as
condições de vida dos animais ainda mantido cativos sob a tutela dos seres
humanos. O ponto de partida dessa ciência foi a obra de Ruth Harrison em 1964,
embora ela não tenha dito nada sobre bem-estar, ela denunciou as péssimas
condições em que os animais de produção eram mantidos visando o aumento da
produção e diminuição dos custos. A partir dessas denúncias foram criados
comitês que estabeleceram questões mínimas para manutenção (5 liberdades) desses
animais e incentivou o aprimoramento das condições e a criação dos comitês de
éticas institucionais, baseados no princípio teórico dos “três erres” de Russel e Burch.
Do
outro lado tem-se Tom Regan,
o qual encabeça a ética do direto animal ou abolicionista, tendo como adeptos a
sociedade civil, que acredita que nenhum animal deve ser usado para finalidade
cientifica e acadêmica, sendo muitos deles vegetarianos e veganos. Essa ética é
considerada socialmente como radical, extremista que age de forma emocional e
irracional. Porém ambas possuem em comum a ética senciocênctria
que prezam pela senciência dos animais e obviamente atribuindo maior status
moral para algumas espécies do que para outras. Vários neurocientistas estão
contribuindo para o aumento do conhecimento da consciência animal, dentre eles
destaca-se Antônio
Damásio.
O
alargamento da ética voltada para os animais é a ética biocêntrica
que amplia a noção de direitos animais para todas as formas de vida. Assim como
a ética ecocêntrica que
prega o valor não para vida individual, mas sim para o ecossistema como um
todos. Essa ética engloba um conjunto de teorias holísticas tais como a
ética ecofeminista, plurarismo
ético e comunitarismo ético.
Alcançar
essas amplitudes éticas exige esforço pessoal e coletivo. A Bioética mexe com as
pessoas, pois tiram-nas da zona de conforto, cuja negação da realidade os
protege de fatos que os fariam se posicionar diferente. Como a maioria das
pessoas fazem suas escolhas de acordo com o seu bem-estar, é óbvio que não irão
querer ver a realidade e ficarão indignadas com aqueles que tentam
incansavelmente abrir seus olhos. Mas os poucos empáticos e sedentos de desejo
de ser a voz dos animais e da natureza procurarão se posicionar, irão em busca
de ferramentas e linguagens para atingir cada vez mais pessoas e, assim,
através de uma nova educação promover uma escolha fundamentada, uma escolha
pautada em informações verdadeiras e que permita o cidadão a tomar decisões e
assumir as responsabilidades a si atribuídas em prol de uma sociedade que não é
composta apenas por pessoas, mas por todos os seres vivos que fazem desse
planeta, um planeta vivo.