O Direito de ir e vir não é para todas as espécies...


O fato da semana que me chamou a atenção foi o trágico acidente na BR 376 em que a batida de dois carros e duas motos ocasionou a morte de cinco pessoas. Até aí tudo nada de extraordinário... mas o pivô do acidente, segundo os relatos, foi um cachorro que tentava atravessar a rodovia e do qual a motorista do primeiro carro tentou desviar. Depois disso ninguém viu o cachorro! Esta semana também foi veiculada também a notícia de um bairro no Tatuquara em que os serviços do correio foi interrompido devido à presença de um cão agressivo solto e que poderia comprometer a segurança do carteiro. Daí pensando sobre o assunto durante a semana comecei a prestar mais atenção pelo meu percurso diário e a contar os cães, e de fato existem muitos deles pelas nossas ruas e rodovias, indo e vindo exercendo todo seu sentido exploratório no seu ambiente natural. Parei para observar um deles atravessando uma avenida movimentada, me deu um aperto no coração, imaginando que poderia ser atropelado, mas é incrível, como estão adaptados, e conseguem calcular a distância e velocidade dos carros de forma sincronizada.
 Cães errantes ou vagantes são habitantes normais de todas as cidades, desde que, nós passamos a construí-las, porém em decorrência do avanço tecnológico, o cão vira-lata dos outros tempos, se tornou um problema sério, pois além de poderem transmitir inúmeras zoonoses, podem atacar as pessoas, atacar outros cães, causar acidentes no trânsito, além de se tornarem cães ferais e comprometerem a fauna nativa de áreas de matas urbanas.  Existem no mundo inteiro muitas ações de controle de cães, que antes era feito com pela carrocinha e, graças à intervenção, de práticas mais éticas, passaram a se fazer controle populacional através da castração, campanhas de doação e educação para posse responsável. Existe tanto material disponível, que poderiam ser escritas muitas teses.
Porém algumas questões éticas geraram certa inquietação na minha reflexão. Primeiro não podemos esquecer que nós criamos essa espécie: o Canis familiaris, originado do lobo Canis lupus. No período de cerca de 12.000 anos - ou 14.000 como constam algumas pesquisas recentes - atraímos os lobinhos mais mansos - provavelmente em busca de resto de alimentos - e através de uma seleção artificial, criamos nesse curtíssimo espaço de tempo mais de 300 raças distintas, direcionadas para as mais diversas funções para nos auxiliar no nosso progresso nesse planeta. Os cães cuidavam da nossa segurança, pastoreava nossas ovelhas, ajudavam no transporte, podiam ser utilizado como alimento, além de principalmente, nos fazer companhia e nos dar muito carinho.   O homem deu espaço para uma co-evolução, as duas espécies se modelando uma à outra, ao longo do tempo. Essa espécie não existe na natureza, o ambiente natural do cão é ao lado do homem, onde ele estiver, seja nas cavernas, no campo ou nas cidades. Logo, podemos concluir que a cidade e as ruas são tão nossas quanto deles. Mas nossos melhores amigos a partir de um certo momento passaram a nos incomodar e daí, como seres superiores, decidimos que deveríamos controlar essa situação. Como?  Óbvio, impedindo que eles tivessem livre acesso ao espaço público que construímos para os todos os habitantes das cidades.  E, ainda, nos dando o direito de decidir se eles poderiam ou não deixar seus descentes, a lei natural mais básica de todas as espécies. 
Quero deixar claro que não sou contra medidas que visem uma boa qualidade de vida para todos e que diante de um problema instalado, devemos tomar medidas mais drásticas. Porém, gostaria de levantar a reflexão das consequências de nossos atos e escolhas e do quão injustos e irresponsáveis podemos ser. Sou totalmente a favor da campanha que visa à educação, reflexão ética e mudanças de paradigmas, e levanto a pergunta: Será que cães e gatos que vivem sozinhos praticamente o dia inteiro, trancados em apartamentos, cheirosinhos com suas roupinhas e caminhas de grife, são mais felizes que os cães e gatos que perambulam pelas ruas explorando o mundo, aprendendo, vivendo e como toda vida, correndo riscos? É ético darmos essa vida para os animais, em troca de alguns minutos de carinho? O que estamos fazendo com essa espécie que nós mesmos criamos? Finalizo com uma história que vi há tempos atrás e não consegui recuperar na rede. O resgate e encaminhamento para adoção de uma cadela que viveu a sua vida inteira nas ruas de uma grande cidade. A cadela tinha uma rotina e todos os dias passava nos mesmos lugares exatamente na mesma hora, ia cumprimentar o dono da mercearia, os taxistas, depois o dono da banquinha. Na rua tinha seu alimento, seu descanso e seus amigos, que muito a admirava. Mas em algum momento, alguém a viu e acreditou que ela precisava de um lar, uma coleira, uma casinha de madeira, e um espaço de 1m2 para fazer exercício, então, eles tiraram ela da rua, levaram para um pet e encaminharam para adoção. Será que ela teve uma existência mais feliz?