quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Trapaças - M oral - Vergonha - Perdão





Essa semana minha querida turma do primeiro ano da psicologia topou um desafio e o cumpriu de maneira brilhante: Refletir à luz da evolução sobre uma questão polêmica.... “Qual sentido biológico da trapaça, moral, vergonha e perdão”... Li muitos textos, reflexões e opiniões e decidi compartilhar o ponto que chegamos compondo um texto único feito à muitas mãos... vamos lá?

Wallace no seu livro “Sociobiologia, o fator genético” ressalta que a moral, assim como o amor, tem uma natureza subjetiva que desafia a definição humana. Porém ao observarmos o aspecto moral de diferentes sociedades notamos uma forte associação com o sexo, ou seja, o que é certo ou errado para o sucesso reprodutivo e obviamente para perpetuação da espécie. Ao longo da evolução o comportamento era mantido nos limites fixados pelas regras reprodutivas, assim se o individuo era muito ativo e se afastava demais do bando, corria perigo e poderia ser caçado; se o individuo era muito agressivo, gastaria muito tempo e energia lutando; e se o indivíduo era dócil demais, não competiria. Em nenhuma dessas situações os indivíduos teriam muito sucesso na passagem dos seus genes para frente. Assim, as regras naturais foram observadas pelo homem e codificadas em nossas sociedades na forma de tradições, leis, religiões e ética, condenando tudo que fosse contra o sucesso reprodutivo (homossexualidade, sexo anal, sexo com crianças, cuidado maior com meninas, fidelidade, estupro, fornicação e incesto). Sendo esses comportamentos resultados de modificações morfológicas e bioquímicas do nosso cérebro as quais atualmente começam a serem desvendadas pela neurociência (http://www.profpito.com/dirneuro.html). No entanto, o homem como uma espécie altamente social, também precisou fixar regras naturais de conduta para que o convívio fosse estimulado e os custos da vida social minimizados. A traição e a fraude devem ser condenadas e punidas, pois evitam com que o indivíduo deixe de corresponder à confiança do outro e desencoraja os outros traidores, logo não seria de interesse de ninguém trair, pois poderia mais tarde precisar do outro. Assim, cada pessoa aumenta a probabilidade de ser tratado com lealdade desencorajando o traidor sempre que ele aparece. A moralidade humana envolve noções de direito, justiça e ética iniciada com a preocupação com os outros e a compreensão de regras sociais (Ver o Animal Moral de Robert Wright – lista de livros). O evolucionista Marc Hauser em seu livro “Moral Minds” também defende a idéia que a faculdade moral e instintiva e modelada pelas emoções e pela razão (http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u351566.shtml). Assim, juntamente com a trapaça a moral evoluiu em outros grupos animais como mostra Frans de Waal em seus livros Eu, primata (lista ao lado) e Primates and Philosophers (Primatas e Filósofos, inédito no país) (http://psione.wordpress.com/2007/08/20/deu-na-veja-a-moral-e-animal/).

Não podemos esquecer que a regra nº 1 do mundo natural é lutar pela própria sobrevivência, para então conseguir passa os genes para frente e garantir a sobrevivência da espécie ao longo do tempo evolutivo. Assim, os animais são dotados de artifícios comportamentais para se adaptar o meio em que vivem e irão estabelecer determinadas estratégias, chamadas de furtivas, ou desleais. Muitos comportamentos que eram vistos pela etologia clássica como indicativos de doenças ou efeitos do estresse, hoje são interpretados pela ecologia comportamental como estratégias furtivas. Um sapo calado ao lado de outros que coaxam para atrair suas fêmeas, peixes que amadurecem vários anos antes que seus co-especificos assemelhando-se às fêmeas, o sexo forçado, aves que abandonam seus ovos para fêmeas de outras espécies criarem, grito do filhote pedindo alimento como chantagem "se não me alimentar átrio predadores"; o irmão que empurra outro ovo para fora do ninho - são alguns exemplos de animais que buscam maximizar a sua chance de sobreviver por outros meios que os sinais honestos estabelecidos pelas regras naturais. São animais que não teriam os atributos genéticos ou materiais necessários para conseguir se reproduzir. Mentir e enganar também pode facilitar a busca por alimento, diminui a competição, protege da morte assim os genes da trapaça são fixados e passados de geração em geração. O engano tem evoluído ao longo do aumento de complexidade da vida social, assim quanto mais sofisticado é o animal, mais comum se tornam as trapaças e mais perspicazes são seus contornos. Novas pesquisas têm mostrado que os mentirosos têm cérebros maiores (http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI3422260-EI238,00.html).

Muitos animais decidem abrir mão da sua própria individualidade e liberdade para viver em sociedade, uma vez que essa é uma estratégia necessária, pois sozinho não teria chances de sobreviver. Desde que os organismos unicelulares passaram a viver em colônias dando início ao surgimento dos organismos multicelulares, as células (antes individualistas) precisaram ajustar o seu comportamento ao da vizinha e se comunicar com todas as outras para terem um ritmo de funcionamento e crescimento. Caso contrário o conjunto sucumbiria. Nosso corpo é o melhor exemplo de como deve funcionar uma sociedade diversa e complexa com um objetivo em comum. Porém em sociedades animais a desonestidade e a trapaça fazem parte da luta pela sobrevivência e pela busca incansável pela deliciosa homeostase baseada nos interesses próprios. Assim, matar, roubar, trair, enganar, iludir, omitir, seduzir são comportamentos naturais. Porém, enquanto enganar os outros é vantajoso, ser descoberto pode ser custoso, assim foram desenvolvidos os mecanismos de auto-engano, para aumentar a eficácia da trapaça ocultando os sinais não verbais denunciadores de uma condição emocional. A inveja pode ser considerada uma derivação, pois envolve a comparação com o outro e a compreensão que o melhor deve ocorrer apenas pra si. A nossa própria evolução está pautada no surgimento dos “leitores de mentes” – indivíduos capazes de enganar e detectar o engano do outro e há quem considere o desenvolvimento da linguagem o nosso grande triunfo nessa busca de “se dar melhor que o outro”, embora há quem afirme que o a linguagem não verbal seja mais efetiva na comunicação das nossas emoções do que a verbal. Alguns autores definem os animais como egoístas por instinto e altruísta por interesse e que igualmente nós também vivemos na tensão entre o impulso do gene egoísta (teoria de Richard Dawkins – lista de livros ao lado) e a necessidade do convívio social.

A manutenção dos grupos coesos é essencial para serem mais efetivos contra adversários e para tal é necessário saber gerir os conflitos usando como base os valores estabelecidos pelo grupo. Assim, é possível gerar a capacidade para construir sociedades nas quais os valores compartilhados restringem o comportamento individual, pois se cada um agisse apenas em função de seus interesses individuais, não existiria cooperação.

O reconhecimento do o erro é visto como uma virtude, porém em uma sociedade a sinalização do indivíduo de que entendeu o erro e as regras da sociedade - através da adoção de uma postura submissa - é fundamental para não ser banido do grupo. O juízo e de si e o sentimento de culpa e arrependimento evita a tentação de trapacear. E quando compreende o erro, instintivamente evidencia para o outro na forma do sentimento de vergonha através de sinais claros, o qual na nossa espécie é caracterizado principalmente por “ficar vermelho” destacado pela perda dos pelos da face. Essas emoções auto-conscientes são decorrentes da sua compreensão como individuo social, uma auto-vigilância que policia a sua imagem pública influenciando na sua atratividade social, aceitação pelo grupo, coesão social e, conseqüentemente, pelo sucesso reprodutivo. Assim, os indivíduos que se envergonham de seus atos ficam mais propensos a continuarem vivos e a gerarem descendentes e esses genes também ficam fixados na espécie. Existem pesquisas que mostram que pessoas com baixa auto-estima e baixos níveis de serotonina têm maior probabilidade de cometerem trapaças e atitudes impulsivas.

Perdoar é ato de vontade, em que o indivíduo traído abre mão de querer se vingar de algo que lhe gerou uma emoção negativa e coíbe seu senso de justiça. O perdão leva a uma sensação boa, para que seja repetido, alivia a tensão do que perdoa para recuperar o que errou. Desta forma, envolve mecanismos neurocognitivos e afetivos complexos, sendo a empatia uma condição necessária para o ato. O perdão foi extremamente importante na nossa evolução, pois uma cascata de comportamentos de revanche poderia ter levado a nossa extinção no inicio da nossa historia. O perdão exige compaixão se colocar no lugar do outro sem julgamento e sentir suas emoções. Algumas pesquisas mostram que o ato de perdoar pode alterar sistema imunológico e harmoniza o organismo. As adaptações necessárias para a socialização e cooperação foram selecionando certas estruturas cerebrais a fim de permitir o comportamento de desafronta.

Essa reflexão do comportamento humano sob um viés etológico nos permite compreender de uma forma muito mais ampla os “por quês” de determinados comportamentos humanos – inclusive os nossos – e despidos de uma capa de julgamentos extremamente individuais e momentâneos nos libertarmos por alguns de nossos papéis sociais e vemos a grandiosidade dos processos naturais que a evolução moldou. Não podemos nos esquecer que temos um corpo biológico de 100.000 anos e um cérebro social e cultural muito recente e de que o conflito entre esses nossos dois “eus” é o que está conduzindo a nossa evolução.


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