... Rio Belém como sujeito de direitos: educação e solidariedade
Emanuele Caroline da Silva,
médica coloproctologista
Liz Yumi Saguti,
médica nefrologista
A expressão “sujeito de direito”, tradicionalmente, refere-se a todo cidadão que possui direitos, como o direito à vida, à liberdade e à igualdade. Hoje, ser sujeito de direitos significa ter direitos e garantias fundamentais que são asseguradas pela Constituição Federal e pelas leis, permitindo com que a pessoa possa exercer determinados direitos em seu nome próprio. Mas nem sempre foi assim. No Brasil, as crianças e os adolescentes apenas foram considerados como sujeitos de direitos com a Constituição Federal de 1988. Desde a segunda metade do século XX, depois das duas grandes Guerras e, principalmente, devido a diversas tragédias ambientais, começaram a aparecer os primeiros movimentos de proteção ambiental e animal. Esses movimentos, em certo sentido, caracterizam uma busca pela ampliação do conceito de sujeito de direitos, passando a englobar o meio ambiente e os animais.
Nesse contexto, ainda no século XX, a Bioética Ambiental e o Direito Ambiental se desenvolveram como ramos do conhecimento que buscam pensar quais seriam os princípios que poderiam ser usados para a proteção ambiental e defesa de direitos. Na Bioética, o princípio da solidariedade, por exemplo, está relacionado com o bem comum e com a busca de uma ética universal, pensando a sociedade como um grupo de pessoas onde um respeita os direitos e as vontades do outro, e todos atuam para o bem de todos.
Sabe-se que boa parte dos direitos foram conquistados historicamente. Pela teoria das gerações dos direitos humanos, a solidariedade é um direito considerado de terceira geração. Na história da conquista e do desenvolvimento dos principais direitos humanos, os chamados direitos de terceira geração são os direitos coletivos e difusos, chamados de direitos de fraternidade ou solidariedade. De acordo com Felipe Dalla Vecchia, “trata-se de direitos de titularidade coletiva; ou seja, são titularizados por uma coletividade de indivíduos que podem ser indetermináveis e se destinam à proteção da coletividade como um todo.” Esses direitos são aqueles que se relacionam à solidariedade e à fraternidade, preocupando-se, por exemplo, com o meio ambiente, com a paz e com o desenvolvimento social. Assim, a preocupação com a defesa do meio ambiente nasceu, inclusive, nesse período, como um direito de terceira geração.
Segundo o artigo “A natureza como sujeito de direitos”, do site ((o))eco, atualmente, existem duas correntes principais de pensamento sobre a relação do meio ambiente com o conceito de sujeito de direitos. Uma primeira corrente nega a natureza como sujeito de direitos. Já para a segunda corrente, reconhece-se a natureza como sujeito de direitos, pensamento que está mais alinhado à Bioética Ambiental e ao Direito Ambiental, portanto. Ainda, na mesma matéria, o site de jornalismo ambiental explica que, em 2017, após o desastre da Samarco, apareceu no noticiário o ajuizamento de uma ação pelo próprio Rio Doce. A ação continha diversos problemas técnicos, mas caracteriza um episódio em que aparece um rio como um sujeito de direitos.
Pensando o rio como um sujeito de direitos, a ética da solidariedade estaria sendo concretizada, na medida em que a proteção dos direitos do rio garante também os direitos das pessoas humanas, de forma recíproca. Ao se considerar que o rio tem a garantia do direito à vida, por exemplo, quando uma lei ambiental evita que uma pessoa polua o rio ou quando a lei pune a pessoa que poluiu as águas do rio, essa proteção da vida de um bem natural é também a proteção da própria vida da pessoa humana, uma vez que os seres humanos dependem da existência da natureza, o que caracteriza uma ética da solidariedade.
A proteção do rio contra exploração e poluição permite que ele possa manter seu ecossistema e fornecer recursos de forma sustentável. Ainda, o envolvimento da população, em especial de comunidades ribeirinhas em práticas de recuperação e preservação dos rios, implica no compromisso destas com sua própria saúde e qualidade de vida, havendo assim um respeito mútuo tanto com os direitos do rio quanto com seus próprios direitos de existir e prosperar. Além disso, o debate sobre o meio ambiente e os animais como sujeitos de direitos deve ser levado para dentro da escola. Como o pensamento das pessoas demora gerações para ser modificado, é somente através da educação ambiental que as pessoas começarão a se conscientizar do problema da poluição e do desmatamento, por exemplo.
Dessa forma, a educação ambiental contribui, no longo prazo, para combater os problemas ambientais e constituir uma relação mais harmoniosa do ser humano com o meio ambiente, caracterizando uma forma de solidariedade. No Brasil, a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) foi instituída em 1999 e regulamentada em 2002, estabelecendo princípios, diretrizes e objetivos para a Educação Ambiental no Brasil, visando a conscientização e ações de preservação do meio ambiente, uso sustentável dos recursos naturais e desenvolvimento de uma sociedade responsável em relação às questões socioambientais. Dentre os objetivos fundamentais da Educação Ambiental, destacam-se: “o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; estímulo e fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social; incentivo à participação individual e coletiva, na preservação do equilíbrio do meio ambiente; o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade”.
No caso do Rio Belém, algumas propostas que visam sua revitalização incluem ações de educação ambiental e mutirões de limpeza e plantio. Em 2016 foi lançada a campanha “Mais Vida no Rio Belém”, cujo objetivo era o incentivo à proteção e recuperação do rio, de modo a envolver a população local em ações de educação ambiente permanente. Como parte da campanha foi criada uma cartilha denominada “Vamos dar vida ao Rio Belém?”, que continha informações geográficas sobre sua bacia hidrográfica, dados sobre sua poluição e ações que poderiam auxiliar na recuperação do rio. O olhar do Rio como um “sujeito de direitos” sob a perspectiva da educação possui implicações em valores, com destaque para a interdependência com a natureza; educação crítica, de modo a fazer pensar sobre o impacto das ações humanas sobre o meio ambiente; comunidade, promovendo a participação ativa na proteção de recursos, e cultural, de forma a envolver as comunidades locais e levantar aspectos culturais acerca dos rios.
Pensando na educação e formação de consciência ambiente, é necessário que seja dada importância à transformação cultural, com a mudança de uma abordagem antropocêntrica para a chamada de ecocêntrica, promovendo assim um equilíbrio entre seres humanos e a natureza; a implementação de ações prática, tais como projetos educacionais de limpeza dos rios e reflorestamento; promoção de mudança de mentalidade, justamente a fim de aceitar a ideia do rio como um “sujeito de direito”; a capacitação de educadores e a mudança de políticas públicas.
Nós, como futuros bioeticistas, acreditamos que reconhecer o rio como sujeito de direitos é essencial para fortalecer a ética da solidariedade e a preservação ambiental. A bioética deve ir além das relações humanas e considerar a interdependência entre os seres vivos e os ecossistemas. A educação ambiental desempenha um papel fundamental nessa mudança de perspectiva, pois prepara as futuras gerações para uma relação mais respeitosa com a natureza. Assim, defendemos a implementação de políticas públicas que garantam a proteção dos rios e a participação ativa da sociedade na sua conservação.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental do Programa de Pós-Graduação em Bioética da PUCPR tendo como base as obras:
Imagens produzidas por Inteligência Artificial, Canva. https://www.canva.com/pt_br/
Instituto Alana, Sujeitos de Direito. Disponível em: <https://alana.org.br/glossario/sujeitos-de-direito/>.
Iberdrola. O que é bioética. Disponível em: <https://www.iberdrola.com/compromisso-social/o-que-e-bioetica#:~:text=A%20bio%C3%A9tica%20ambiental%20%C3%A9%20a,nossos%20valores%20%C3%A9ticos%20e%20morais>.
Fernando Ferreira. O que é direito ambiental. JusBrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direito-ambiental-entenda-o-conceito-em-5-pontos/1247910096>.
Thiago Cunha; Cláudio Lorenzo. Bioética global na perspectiva da bioética crítica. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/bioet/a/pXtsDt8qV8kQ6SHmBm6LSyv/?format=pdf&lang=pt>.
Felipe Dalla Vecchia. As gerações (ou dimensões) de direitos humanos e fundamentais. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/as-geracoes-ou-dimensoes-de-direitos-humanos-e-fundamentais/781113772>.
Guilherme Purvin. A natureza como sujeito de direitos. Disponível em: <https://oeco.org.br/colunas/a-natureza-como-sujeito-de-direitos/>.
Portal de Educação Ambiental. O que é educação ambiental. Disponível em: <https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/2023/06/o-que-e-educacao-ambiental/>.
Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Política Nacional de Educação Ambiental - PNEA. Disponível em: <https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/secex/dea/pnea>.
Ceres Battistelli. Campanha incentiva a proteção e recuperaçao do Rio Belém. Disponível em: <https://www.bemparana.com.br/publicacao/colunas/conteudo-sustentavel/campanha-incentiva-a-protecao-e-reuperacao-do-rio-belem/>.
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