"Um barulhinho bom": o som como ferramenta para a compreensão da vida


Por: Cristiane Stacechen, Flávia Santi, Flávia Santos, Guilherme Borges, Victor Tedeschi

Acadêmicos do curso de Ciências Biológicas


A Bioacústica consiste no estudo dos sons emitidos por animais. Esses sons representam sinais de comunicação e têm, portanto, um papel fundamental no comportamento das espécies que os usam. O universo sonoro animal é uma fonte vital de informações para o caçador e foi certamente o objeto de muita atenção da parte do homem pré-histórico, como continua sendo das tribos indígenas. Na história da humanidade, a importância dos sons naturais se revela na incorporação de onomatopéias na linguagem, com múltiplos exemplos tanto no teatro clássico grego, quanto no vocabulário das mais diversas etnias silvestres.
O som é um fenômeno extemporâneo e um dos grandes anseios do homem foi o de fixar esses sons emitidos por animais para poder reproduzi-los. Deste interesse vem a imitação fonética, que serviu de base para as onomatopéias e, em seguida, para nomes e palavras. A transcrição fonética de cantos e gritos de aves ainda consta de vários guias de campo para ornitólogos, mas o resultado é raramente eficiente para reconhecer o som original e depende da pronúncia, variável conforme o idioma. Outro modo de transcrição é a notação musical, que aparece em publicações do século 17 e que Hercule Florence, de volta da expedição Langsdorff  (1819-1828), tentou refinar num método que seria chamado “Zoophonia” (Vielliard 1993). Apesar de mais bonito, este nome, como o método, não se manteve quando os avanços tecnológicos decorrentes da Primeira Guerra Mundial permitiram o registro e a reprodução dos sons e deram o início a um novo campo de pesquisa chamado “Bioacústica”. O antigo sonho de poder captar, guardar e recriar os sons dos animais se realizou e se expandiu rapidamente a partir dos anos 1960 graças à comercialização de gravadores portáteis de alta fidelidade. Foi neste momento que a Bioacústica se estabeleceu como uma poderosa ferramenta de pesquisa, já que o som tornou-se o único dos sinais de comunicação que pode ser facilmente captado, descrito e reproduzido.
O uso dessa ferramenta se deu primeiramente pelos ornitólogos, seguidos por entomólogos, herpetólogos e primatólogos que procuraram distinguir, pelos sons emitidos, as espécies que estudavam na natureza. Assim apareceu logo a necessidade de organizar “sonotecas” ou bibliotecas de sons gravados que sirvam de referência para as identificações (Ranft 2004). Esses acervos não se restringiram a essa função, mas abriram o caminho para o desenvolvimento de outras linhas de pesquisa, principalmente em filogenia e etologia num primeiro momento. No campo da filogenia, a tentação era grande em procurar resolver as questões pendentes de sistemática de aves, o grupo animal em que a análise morfométrica havia estabelecido a taxonomia mais avançada do reino animal, mas em que muitas relações filogenéticas continuavam obscuras. A introdução de um novo parâmetro independente, a estrutura de um sinal de comunicação, parecia a panacéia para por fim a essas controvérsias taxonômicas. A realidade se revelou mais complexa e a bioacústica foi eficiente principalmente para ajudar a definir os limites específicos. Neste nível, a contribuição dessa ferramenta foi importante e hoje a descrição das vocalizações é quase obrigatória para caracterizar as espécies não somente de aves, mas também de grilos e anfíbios. Na verdade, algumas dessas espécies só foram descobertas graças a análise bioacústica, como no caso do Caburé-da- Amazônia Glaucidium hardyi (Vielliard 1989). Ultimamente, um melhor entendimento dos processos evolutivos da comunicação sonora permitiu retomar, em bases mais sólidas, a análise filogenética dos parâmetros bioacústicos em aves (Vielliard 1995, 1997 ). Progressos neste sentido têm sido obtidos também em grilos (Desutter-Grandcolas e Robillard 2004).
No campo da etologia, a contribuição da bioacústica foi mais clara desde o início, consistindo na incorporação de descrições precisas dos sinais de comunicação sonora e dos seus contextos comportamentais. Foi assim que as funções biológicas dos diversos sons emitidos por determinadas espécies foram evidenciadas. A partir daí começaram a aparecer padrões resultantes de tendências evolutivas e adaptativas. É o caso, por exemplo, dos chamados de longo alcance em primatas neotropicais (Oliveira e Ades 2004). Outra abordagem é o estudo do repertório vocal das espécies, particularmente rico em primatas, mas eventualmente bem mais complexo do que se esperava em aves, especialmente espécies gregárias como o Anu-branco Guira guira link (Fandiño-Mariño 1989) ou a Gralha-azul link Cyanocorax caeruleus (Anjos e Vielliard 1993), e até em grilos link (Zefa eVielliard 2001). Com os recursos dos gravadores portáteis, a técnica do play-back, que permite testar a resposta na natureza aos sinais sonoros previamente registrados, se difundiu e contribuiu para definir melhor o repertório desses sinais e suas funções biológicas. Outras linhas de pesquisa incorporaram a análise bioacústica, fazendo surgir novos campos de estudos. As principais interações apareceram com a ecologia e com as neurociências. Hoje a bioacústica participa de um leque variado de pesquisas, como aprendizagem e memorização, fisiologia da comunicação, estrutura de comunidades e adaptações ambientais, propagação e identificação de sinais.
A comunicação sonora é um processo biológico e, como tal, é submetido aos processos evolutivos e inserido no comportamento e no ambiente das espécies que desenvolveram este tipo de sinal (Kroodsma e Miller 1996). Nós formandos de biologia acreditamos que a bioacústica é uma ferramenta importante no entendimento de padrões comportamentais bem como na caracterização de espécies, o que a torna determinante na realização de análises filogenéticas.

Sugestão de Sites com Banco de dados de sons:
http://www.naturesongs.com/otheranimals.html
http://www.wikiaves.com.br/midias.php?tm=s&t=mv
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f5/Akhumphi1x.ogg

http://www.aultimaarcadenoe.com.br/audio-acervo/
http://www.avesderapinabrasil.com/caracara_plancus.htm

O presente ensaio foi elaborado para disciplina de etologia, baseando-se na obra:

VIELLIARD, J; SILVA, M.L. A Bioacústica como ferramenta de pesquisa em Comportamento Animal. Estudos do Comportamento II. Belém: Editora da UFPA, 2010, v. II, p.141-156.